Análise de Conjuntura Político-Eleitoral nº 003/2018

Consolidado no mês de agosto de 2018

1) A conjuntura político-eleitoral brasileira pós-Copa do Mundo encontra-se marcada por uma tendência de polarização entre a extrema direita, expressa fundamentalmente pelo capitão Bolsonaro (PSL), e o centro, representado por quase todas as outras candidaturas, com exceção de Boulos (PSOL) e Vera Lúcia (PSTU), as candidaturas da esquerda socialista. Em termos programáticos opõe o neoliberalismo extremado aliado a uma pauta fascista, à combinações variáveis de neoliberalismo e neodesenvolvimentismo. No entanto, desde 2002 o eleitorado manifesta predominantemente uma tendência a votar em candidaturas que recusam o programa neoliberal extremado, tendência acirrada após as Jornadas de Junho de 2013. Isto faz com que no momento a balança político-eleitoral penda para as candidaturas de centro-esquerda, que propõem uma plataforma neoliberal moderada ou mesmo uma plataforma neodesenvolvimentista. Não está descartada uma polarização entre candidaturas neoliberal extremadas no segundo turno (Bolsonaro versus Alckmin), mas hoje esta possibilidade parece remota por conta do fraco desempenho do candidato do PSDB em termos de intenção de votos. Esta limitação também dificulta uma polarização entre Alckmin e Haddad no segundo turno, apesar de uma ascensão do candidato tucano nas pesquisas não estar descartada pelas razões que exporemos adiante.


2) Nestas eleições as candidaturas vinculadas a esta perspectiva e com chances de disputa são as de Haddad (PT) e de Ciro Gomes (PDT). Como a tática do PT de manter a candidatura Lula, mesmo sabendo de sua impugnação, foi exitosa, isolando Ciro Gomes e forçando a unificação do voto de esquerda na candidatura petista, hoje o candidato favorito a disputar o 2º turno com Bolsonaro é Haddad. Em termos meramente eleitoreiros e institucionais, o PT apresenta corretamente um programa suficientemente centrista para agradar o mercado e a direita tucana, de um lado, e os movimentos sociais e a esquerda, de outro. O partido tem buscado se reaproximar da militância de base e dos movimentos sociais, fortalecendo seus laços com a CUT, o MST e buscando atrair outros setores, para adquirir musculatura e capacidade de mobilização social para além de sua inserção institucional. Além disso, indicou Haddad para ocupar a vaga de Lula como candidato presidencial, quadro liberal da direção petista, suficientemente leal a Lula e, ao mesmo tempo, bem visto pelo mercado como um gestor competente e disposto ao diálogo (um habermasiano!). O programa do PT propõe uma retomada das políticas indutivas para o capital adotadas a partir de 2004, principalmente para burguesia interna, e a convocação de uma assembléia constituinte para restaurar a legalidade democrática; o que é um retrocesso em relação à proposta original de convocar referendos para consultar a população sobre as reformas de Temer, pois a constituinte tende a depender de um novo processo eleitoral onde o poder econômico certamente deve prevalecer. Por outro lado, o programa propõe realizar reformas que o PT nunca realizou quando esteve no poder governamental e contou com condições mais favoráveis aprová-las, como a reforma tributária, a regulação da mídia, a reforma política e a reforma do judiciário, o que depende do Congresso e da correlação de forças no plano institucional. Como deverá haver pouca renovação nas eleições para os cargos proporcionais, por conta de uma série de fatores, devem prevalecer o conservadorismo e o fisiologismo na composição política do novo Congresso. Ou seja, a vitória do PT representa a derrota dos elementos políticos e ideológicos mais radicalizados do golpe, mas não a derrota e reversão das contrarreformas (sociais, econômicas e jurídico-políticas) implementadas pelo golpe. Portanto, as reformas trabalhista e da previdência, por exemplo, tenderão a ser negociadas, mas não abolidas.


3) A candidatura Ciro Gomes (PDT) adota um discurso hostil ao golpe, ao governo Temer e sua plataforma neoliberal extremada, propondo um programa de perfil neodesenvolvimentista. Porém, buscando parecer confiável ao mercado não se constrange em admitir a necessidade de mudanças na previdência, nem o compromisso com a responsabilidade fiscal, o que deixa a porta aberta para a aplicação de um programa neoliberal moderado, caso eleito. 


4) Apesar do pragmatismo apresentado pelas principais candidaturas de esquerda, a iniciativa prioritária do bloco no poder e do campo golpista consiste em viabilizar a candidatura Alckmin e em segundo plano, a candidatura de Marina Silva. A adesão do “Centrão” à Alckmin cria problemas com o voto de perfil moralista, mas abre possibilidades de inserção institucional significativa no plano local, com capacidade de atração do eleitorado indeciso e do eleitorado que votaria em outras candidaturas neoliberais como primeira opção. Ter palanque ou adesão de candidaturas proporcionais em todos os estados pode compensar a péssima avaliação popular do candidato tucano. Além disso, conta com o apoio da mídia e dos setores do Judiciário que patrocinaram o golpe, o que pode se tornar decisivo numa situação de equilíbrio entre as candidaturas que se encontram no campo alternativo ao bolsonarismo, mediante a construção de denúncias e factóides contra as demais candidaturas e em favor de Alckmin no âmbito desse campo. O programa de Alckmin é neoliberal extremado, porém, oportunisticamente, mantém as políticas sociais compensatórias, ampliadas nos governos Lula e Dilma. 


5) Apesar da perda de estofo político em relação às suas outras candidaturas à presidência (2010e 2014), Marina Silva pode ser a alternativa do bloco no poder por conta da impopularidade de Alckmin e do não envolvimento da candidata e de seu partido na Operação Lavajato, o que a torna uma opção para o voto anticorrupção em relação ao lulopetismo e ao tucanato e para o voto antifascista em relação ao bolsonarismo. Por conta dessa condição alternativa, de sua trajetória pessoal e do discurso acerca do “desenvolvimento ecologicamente sustentável”, Marina Silva também se coloca como uma alternativa para o eleitorado de esquerda, particularmente diante da ameaça Bolsonaro, apesar de sua plataforma programática ser claramente neoliberal. Mas sua viabilidade depende do aporte financeiro e midiático do bloco no poder. Assim, a situação ideal do bloco no poder é a presença de Alckmin ou Marina Silva no 2º turno contra Bolsonaro ou Haddad. Mas no caso de um 2º turno entre Bolsonaro e Haddad, os setores não hegemônicos do bloco no poder (agronegócio, pequeno e médio capital, alta classe média) devem apoiar Bolsonaro, enquanto os setores hegemônicos (grande capital) devem apostar numa negociação com Haddad e numa transição que permita a consolidação do golpe com a adoção de políticas que permitam a recomposição do sistema de representação política e o transformismo sobre movimentos sociais e partidos de esquerda. A proposta de FHC, de apoio mútuo entre PSDB e PT no segundo turno, é uma evidência importante dessa perspectiva.


6) No entanto, como a situação de crise criou uma instabilidade política recorrente, a vitória de Haddad ou de Bolsonaro podem não trazer a “pacificação” exigida pelo grande capital, dando ensejo à viabilização de um “golpe dentro do golpe”, com uma intervenção militar ou a instalação do parlamentarismo. No caso da vitória de Haddad o acirramento da crise pode se dar por conta da dificuldade do novo governo em justificar sua acomodação com determinadas pautas golpistas, como as reformas trabalhista e da previdência, diante das bases e do eleitorado petistas. No caso da vitória de Bolsonaro a crise pode se intensificar por conta de uma escalada mobilizatória e contestatória por parte dos movimentos sociais e partidos de esquerda, enfraquecendo ainda mais um governo oriundo de um partido pequeno, que terá que se render à negociações com o mesmo Congresso que tanto o candidato critica para conseguir governar, o que desgastará rapidamente o capital político obtido com as eleições.


7) É cedo para apresentar previsões acerca de como deverá se configurar o sistema de representação política do período pós-golpe, mas as eleições indicam que além de uma restrição considerável do espaço político da esquerda socialista e do avanço partidário da extrema direita, particularmente a de perfil fascista, o PT e o PSDB continuarão exercendo um papel preponderante em sua dinâmica, mesmo que não consigam polarizar a disputa político-eleitoral. 


8) Esta situação tem dificultado enormemente a participação da esquerda socialista (PSOL/PCB, PSTU) nas eleições e sua capacidade de crescer eleitoralmente no ambiente de crise e reverter o golpe e suas medidas antipopulares, pois sofre uma dupla pressão. De um lado, por também ser vítima do antipetismo/anticomunismo, construído pelas forças golpistas, a esquerda socialista tem dificuldade de dialogar com setores da classe média e dos trabalhadores duramente atingidos pela plataforma neoliberal extremada aplicada pelo governo Temer. Por outro lado, como o lulismo se fortaleceu com a crise, colocando-se como única alternativa efetiva ao neoliberalismo extremado para as massas trabalhadoras, a chantagem do “mal menor” (ruim com o PT, pior com o PSDB) imposta à esquerda e aos movimentos sociais durante a experiência de governo petista, voltou a todo vapor, dificultando a defesa de uma perspectiva classista, antineoliberal e socialista. Por conta disso, a unificação do voto de esquerda em torno da candidatura do PT já no primeiro turno e a chantagem do “mal menor”, adensada pelo “voto útil” provocado pela ameaça Bolsonaro, tende a gerar um desempenho eleitoral da esquerda socialista aquém dos resultados de 2014.


9) Nesse contexto, a perspectiva de que a esquerda socialista herdasse parte significativa do eleitorado lulopetista e crescesse em termos institucionais e organizativos, se beneficiando de uma suposta crise e desagregação do PT, não deve se confirmar. Todavia, a esquerda socialista pode vir a se deparar com dois processos. Primeiramente, a candidatura Boulos pode ter colocado em movimento um processo de reacomodação de forças do campo da esquerda socialista, suscitando o surgimento de um novo partido, à moda do “Podemos” da Espanha: um partido popular, mas não classista; programaticamente nucleado em torno das pautas identitárias (gênero, orientação sexual, étnicas, etc.), democrático-populares e desenvolvimentistas, mas não socialistas; e organizado mais como uma frente de movimentos, grupos e organizações do que como um partido orgânico. Por conta do caráter predominantemente pós-moderno assumido pela esquerda socialista nas últimas duas décadas este novo partido tenderia a atrair a adesão de setores variados, galvanizando o campo socialista e isolando as organizações de esquerda socialista classistas. Tal movimento de reacomodação de forças agruparia organizações como o MTST, setores majoritários do PSOL, dentre outros. Em segundo lugar, pode ter curso a formação de um novo partido, de perfil democrático-popular, criado a partir da Consulta Popular, do MST e de setores do PT, o que dependerá diretamente do desempenho eleitoral petista para se viabilizar. Esse partido competiria com o campo da esquerda socialista no movimento social, mas posicionando-se como linha auxiliar do PT. Caso o PT saia das eleições maior do que é hoje e mais próximo dos movimentos sociais e da militância de base, essa iniciativa tenderá ser abortada ou ficar em hibernação. 


10) Nessa conjuntura político-eleitoral e cenários próximos, a esquerda socialista classista (PCB e PSTU) deve atuar nas eleições buscando se fortalecer organicamente, transformando a campanha eleitoral em espaço para a construção de instâncias permanentes de discussão, deliberação e organização, bem como se demarcando das concepções pós-modernas. Sobretudo, deve derrotar o golpe e as variadas tentativas de legitimá-lo, resistir à concertação política e jurídica liberal-democrática pacificadora da crise ao custo da preservação das contrarreformas aprovadas e denunciar qualquer nova política de conciliação de classe!

ESCOLA DE FORMAÇÃO SOCIALISTA