Análise de Conjuntura Político-Eleitoral nº 007/2018

Consolidado em 25 de outubro de 2018 

1- A polaridade política entre a candidatura de extrema-direita (Jair Bolsonaro), e a de centro-esquerda (Fernando Haddad), evoluiu, na última semana, para expressar no plano econômico-social uma clara contraposição entre capital e trabalho. Isto porque, com o crescimento da candidatura Haddad, as posições políticas de ambos os candidatos se cristalizaram ainda mais, contrapondo de um lado um programa neoliberal extremado, que busca reforçar os elementos fascistas e autoritários da autocracia burguesa e instituir uma situação de apartheid social e institucional no país; e, de outro lado, um programa neodesenvolvimentista de esquerda, que abre espaço para um projeto que contemple elementos democráticos em direção à constituição de uma democracia de massas com ampliação da cidadania. Ou seja, numa perspectiva, o Golpe de Estado 2016 é aprofundado, consolidando a ofensiva do bloco no poder sobre os direitos dos trabalhadores e sua capacidade de organização e mobilização; enquanto na outra perspectiva abre a possibilidade de superação do Golpe, o que somente seria possível mediante o protagonismo do mundo do trabalho.

2- Por conta disso, houve uma explicitação ainda maior do posicionamento das respectivas forças sociais e suas organizações representativas. A candidatura Bolsonaro alcançou um envolvimento ainda maior do empresariado em sua campanha, com a adesão explícita de setores do grande capital que ainda mantinham uma postura de aparente neutralidade por conta de sua perspectiva de ajuste fiscal e de restrição da presença do Estado na economia. Aderiram à sua candidatura, na última semana, setores fortemente dependentes do financiamento público e/ou das demandas estatais, particularmente aqueles vinculados à indústria de base, como a indústria química e a indústria de máquinas e equipamentos, e a chamada indústria de construção civil. Tal posicionamento revela a prevalência, entre os vários setores do bloco no poder, da perspectiva de aprofundamento da pauta econômica e política do Golpe de Estado de 2016, sem mediações socioeconômicas, inclusive com a possibilidade de institucionalização fascista, tendo no aumento da superexploração do trabalho, no ajuste fiscal e nas privatizações o eixo fundamental da perspectiva burguesa de saída da crise econômica. Enquanto isso, a candidatura Haddad atraiu a adesão orgânica dos movimentos populares, do movimento sindical, dos partidos de esquerda e dos setores democráticos e progressistas à sua campanha; o que contribuiu para a formação da “onda Haddad” na última semana e para conferir à sua candidatura grande força ético-política.

3- Porém, apesar do acirramento da disputa, com o crescimento da candidatura Haddad, a disparidade de recursos à disposição de cada uma das duas candidaturas continua bastante grande. Em primeiro lugar, o apoio do grande capital à Bolsonaro revela que para o bloco no poder deve prevalecer a todo custo a lógica da valorização capitalista, fundada no aumento da extração da mais-valia, mais do que no crescimento do mercado consumidor. Em segundo lugar, o sistema judiciário e a grande mídia optaram por conferir legitimidade às eleições, mesmo diante de todas as evidências de crime eleitoral cometidas pela candidatura Bolsonaro (caixa 2, fake news, assédio moral, ameaças à integridade física dos adversários, ameaça às instituições judiciárias, contestação antecipada do pleito em caso de derrota, etc.). Isto porque as eleições são necessárias para refundar a institucionalidade política, sob a prevalência do Golpe de Estado de 2016, e porque se acredita ingenuamente que as instituições republicanas (Judiciário, MP, Congresso, etc.) serão preservadas, mesmo sob um governo fundado na perspectiva da antipolítica e poderão controlar a “hidra”. Daí a tendência da acomodação com a histeria anticomunista, com a violência paramilitar e com a violência institucional, pregadas e praticadas pelos apoiadores de Bolsonaro, bem como a preservação do processo de desqualificação e pressão dirigido ao PT, aos movimentos sociais e à esquerda em geral.

4- A “onda Haddad” e o engajamento orgânico das organizações dos trabalhadores em sua campanha dificultam enormemente a possibilidade de um “estelionato eleitoral”, caso seja vencedora sua candidatura, com a aplicação de um programa neoliberal (moderado ou extremado) em atendimento às pressões do bloco no poder. Por outro lado a “onda Haddad” assegura ao mundo do trabalho maior musculatura para enfrentar um governo Bolsonaro, em caso de vitória deste. Desde o primeiro turno o avanço da luta de classes superou a perspectiva inicial de conciliação de classes, forçando um provável governo Haddad a ter que optar entre a capitulação suicida ou o enfrentamento permanente por meio de uma guerra de posição prolongada. Ou seja, ganhe quem quer que seja, a luta de classes deve se acirrar ainda mais.

5- Diante desta situação, uma conclusão coloca-se como imperiosa: a crise, a luta de classes aberta, e, portanto, a instabilidade irão definir o processo político e social no próximo período, seja qual for o governo eleito, visto que para o bloco no poder se torna necessário impor de cima para baixo a continuidade da agenda do Golpe de Estado de 2016, mesmo que apoiada na frágil legitimidade das urnas; enquanto para o conjunto das classes trabalhadoras se impõe a necessidade de derrotá-lo. Diante de tal conclusão, vislumbram-se alguns possíveis cenários futuros:
a)         Em caso de vitória de Bolsonaro, podem emergir três cenários:
i) por conta da capacidade de resistência do mundo do trabalho à aplicação de seu programa e do acirramento do conflito com as forças de extrema-direita, o governo Bolsonaro pode evoluir para um autogolpe (golpe bonapartista clássico), com a instalação de uma ditadura “civil” de caráter fascistizante ou mesmo fascista;
ii) o seu governo, sob crise de legitimidade e esvaziamento político, pode ser derrubado e dar lugar a uma intervenção militar (até mesmo sob liderança do general Mourão), com a instalação de uma ditadura militar propriamente dita, o que implicaria no enquadramento da perspectiva fascista representada pelo bolsonarismo;
iii) o seu governo pode alcançar uma linha de acomodação com o bloco no poder e seus representantes políticos tradicionais, localizados no campo do centro-direita, onde a condução da política econômica fique sob sua responsabilidade, ao mesmo tempo em que derrota o movimento dos trabalhadores e sua capacidade de resistência sem necessidade de uma ruptura institucional, mas com o reforço dos elementos fascistas e autoritários da própria institucionalidade política. Ou seja, a fachada democrático-representativa do regime político vigente é preservada, porém tornando-o ainda mais restritivo, combinada à instituição de uma situação de apartheid social com a aplicação sem peias do programa neoliberal extremado. Neste caso, a perspectiva e as práticas fascistas em torno do bolsonarismo precisam ficar sob controle e ser mobilizados em situações específicas. Esse é o cenário preferencial para o grande capital, pois dispensaria a ruptura institucional previstas no autogolpe ou na intervenção militar, ambas de consequências imprevisíveis no que toca às suas condições de êxito.
b)         Em caso de vitória de Haddad, uma premissa deve ser levada em conta: Haddad, não terminará o seu mandato sem ampla mobilização popular. Portanto, qualquer aceno para um estelionato eleitoral, com a adoção de um programa neoliberal (moderado ou extremado) e a conciliação com o grande capital, tal qual fizera Dilma Rousseff, abrirá o caminho para sua destituição, posto que perderá sustentação popular e capacidade de cooptação de movimentos sociais e da esquerda em torno da chantagem do “mal menor”, favorecendo uma crise de legitimidade e o isolamento político. A resistência às pressões do bloco no poder e ao ativismo oposicionista institucional e para-institucional da extrema-direita depende diretamente do compromisso com o cumprimento de seu programa de campanha. Frente a tal premissa, podem emergir três cenários:
i) o seu governo pode sofrer a reedição de um golpe judicial-parlamentar por meio da aprovação e instalação do parlamentarismo;
ii) o seu governo pode ser derrubado por uma intervenção militar propriamente dita;
ii) o seu governo pode ser sustentado e apoiado por um movimento reformador popular, democrático e anti-imperialista, com avanço progressivo para uma situação pré-revolucionária, a depender da mudança na correlação de forças e do avanço da capacidade organizativa e mobilizatória dos trabalhadores.

6- A atuação dos partidos e movimentos do campo da esquerda socialista, em face desses cenários possíveis, deve ter como norte a ampliação da luta de resistência como movimento de massas, enquanto objetivo próximo, e o seu desenvolvimento na direção da conquista da iniciativa política por parte das classes trabalhadoras, com base em um programa classista e antiimperialista, derrotando a ofensiva política das classes dominantes e impondo-lhes transformações estruturais na sociedade brasileira, enquanto objetivo geral. Para tanto, é necessário um movimento progressivo e permanente que seja capaz de articular:
i) frentes políticas: da esquerda revolucionária que tem em vista a ruptura com a ordem burguesa; da frente ampla que tem em vista a defesa dos direitos dos trabalhadores, e da frente de defesa das liberdades democráticas e luta antifascista que tem em vista a derrota das forças reacionárias e antidemocráticas;
ii) defesa e recomposição, classista e pela base, das organizações sindicais e populares dos trabalhadores;
iii) lutas populares de massas em articulação com intervenção na institucionalidade;
iv) formação e organização dos movimentos e militantes marcados por uma experiência política espontânea e autônoma;
v) transformação da sociedade brasileira em um amplo auditório de debate e disputa, no âmbito do qual ocorra processos de educação política das classes trabalhadoras.