Análise da conjuntura em Goiás: As gestões do governo Caiado e as eleições de 2026
Consolidado em 12 de abril de 2025.
Por Arthur Ramos
O texto a seguir foi apresentado no
dia 12 de abril de 2025 em atividade da Escola de Formação Socialista. Sua
discussão foi a primeira atividade de três que busca discutir o quadro da
conjuntura goiana frente às duas gestões do governo Caiado (União Brasil) e o
que se começa a desenhar no plano das articulações para as eleições de 2026.
Assim, busca, em linhas gerais, analisar os tipos de relações sociais que têm
sido constituídas no estado de Goiás que tendem a ser aprofundadas e
reproduzidas a nível nacional na medida em que Caiado se coloca como
presidenciável.
I -
O
surgimento da família Caiado no Brasil remonta a meados do século XVIII.
Naquele momento, ao chegarem ao interior do país, encontram uma região recém
desocupada devido ao esgotamento da produção aurífera e com a movimentação da
mão de obra para atividades extrativistas do norte e, posteriormente, para os
cafezais sudestinos. Assim, com o litoral voltado à produção de café e cana e o
norte uma região de mata muito adensada, passa-se a desenvolver a atividade
pecuarista neste território para abastecimento interno da sociedade. A escolha
do gado, em grande parte, se deu pois era uma atividade que não demandava mais do que grandes extensões
de terra vazias que servissem como pasto e uma mão de obra sem qualquer tipo de
qualificação e, haja visto que o gado era criado solto, portanto, com baixo
valor de mercado, não era uma atividade tida como lucrativa.
A única forma de se manter uma
estrutura como essa - de concentração de terra em um território tão grande e
com baixa população -, como era a realidade no período de nossa independência
politica de Portugal, foi por meio da
manutenção da escravidão que, posteriormente, soma-se ao com o impedimento do
acesso à propriedade, que se deu com a aprovação da Lei de Terras (Lei
601/1850) do Império, que fixava altas taxas e custos para o processo de compra
de terras. Dessa forma, percebemos uma articulação de uma classe política
vinculada à terra pela continuidade de uma estrutura social ainda baseada na
concentração de terras - o que reverbera na manutenção de um sistema produtivo
baseado na produção de monocultura para a exportação que, para garantir uma
maior lucratividade adota regimes de trabalhos superexplorados. Assim, por meio
desta lei, abriu-se margens institucionais para uma série de processos de
grilagem e falsificação de documentos em prol de famílias ricas que ocupavam
grandes porções de terras, de forma a manterem suas posses.
Contudo, o fato de a produção do
sertão estar voltada ao abastecimento do mercado interno criou-se um certa
“zona de isolamento” do estado de Goiás com o restante do sistema produtivo
nacional, na medida em que a região passa a receber um menor quantitativo de
gente, em relação a São Paulo, por exemplo. Isso permitiu que a ocupação deste
território se deu a partir de uma série de agrupamentos sociais em torno
da figura dos donos das propriedades que, na ausência do Estado enquanto
promotor do desenvolvimento regional, tomam essa responsabilidade para si. Ao
fim, apenas resta aos trabalhadores que não tiveram condições de sair da região
recorrer a essas estruturas oligárquicas para manutenção de suas vidas, o que
gera uma situação favorável para a consolidação da influência política destas
famílias por meio de uma série de relações clientelistas.
Com isso, não é estranho a família
Caiado ter se posicionado - e ter fomentado campanhas - a favor do movimento
abolicionista. O fim da escravidão, mais do que uma perspectiva de liberdade
do homem, se deu em favor do rompimento com a monarquia na medida em que esta
ainda tentava, no auge da revolução industrial no século XIX, reproduzir e
adaptar nos trópicos uma sociedade das cortes. Assim, com o avançar das
discussões e transformações republicanas, a federalização se fez presente na
sociedade brasileira permitindo uma maior liberdade e autonomia dos estados
frente ao governo central, o que demonstra a força política que estas elites
locais desenvolveram. Ainda assim, mesmo
após a Proclamação da República, tensões no que diz respeito à autonomia dos
estados ainda ocorreram e, em Goiás, acaba produzindo o chamado “Golpe 1909”
para derrubada do presidente do estado à época e inicia-se uma era de quase 15
anos de total domínio da família sob a política regional, só sendo questionada
tal com o movimento de 1930.
II -
O
coronelismo é uma forma política típica da primeira república do Brasil que se
apresenta como manutenção da particularidade da formação social brasileira. Por
meio da instauração de latifúndios integrados pelo comércio ao sistema mundo,
ocorreu, na América Portuguesa, uma série de reproduções das estruturas e
formas societárias modernas típicas da Europa. Assim, acompanhamos a reprodução
de valores das antigas cortes sob novas bases econômicas - agora comerciais -
que permitiram o surgimento de uma série de redes clientelistas. Por sua vez,
estas se organizam em torno do organizador da produção, logo, do dono da terra,
construindo uma particularidade histórica comum aos países da América Ibérica
que, na falta de um Estado enquanto promotor do desenvolvimento regional, cabe
àqueles que controlam a terra tal organização que, frente a necessidade
produtiva, são as demandas externas que passam a organizar as relações de
produção e, portanto, as sociais.
Assim, mesmo assumindo diferentes formas ao
longo do processo dialético de nossa formação, sempre houve no Brasil uma
classe que, em poderio da terra, utilizava-se da estrutura do Estado para
construção de projetos próprios. Apenas compreendendo a relação histórica
destes coronéis, surgidos no século XIX que atravessam para os primeiros anos
do século XX, com a terra é que podemos buscar entender o desenho das relações
políticas que se constituíram em nossa história republicana. Em suma, estes
coronéis, após o 15 de novembro, ao controlarem a terra em uma sociedade
totalmente agrária e distante da política federal eram responsáveis pelo
controle direto da produção e, consequentemente, de todas as demais relações
sociais que se sucedem, portanto, relações construídas sobre bases
autoritárias. O autoritarismo se dá pois, frente a imensidão de terras sem
ocupação, a única forma de manter a concentração de terras se dá pelo uso da
violência. Entender esse processo enquanto construção de autoritarismo se faz pois,
na medida da constituição da condição de dependência de nossa economia ao
sistema mundo, a violência sempre será a escolha mais fácil de garantia da
superexploração da mão de obra.
Por meio da federalização do país
permitiu-se que os estados realizassem um série de ações comerciais e
financeiras sem passar pelo Governo Federal, o que vinculou estes coronéis
rapidamente as redes de comércio globais que, agora com a financeirização do
capital, passaram a dialogar diretamente com o mercado financeiro
internacional. Dessa forma, o estabelecimento do capital financeiro e
especulativo neste território construiu uma forma específica de servidão pelo
endividamento. Porém, no sertão, diferente de outras regiões do país em que
existe um intermédio entre as instituições financeiras e a população como um
todo em outros locais, os coronéis são quem assume a figura da intermediação
criando um sistema de créditos e juros próprios a serem usados dentro de sua
propriedade, que eram as únicas opções de acesso à produtos na região. Tal
endividamento, junto ao autoritarismo destes, causaram certo imobilismo social
que impede a construção de uma oposição mais incisiva - causando a constante
reprodução de uma sociedade arcaica. Ao passo em que Goiás não era uma região
importante para o comércio externo durante a Primeira República tal situação
não incomodava o governo federal que, em troca do apoio eleitoral, articula com
esses coronéis autonomia política das regiões em relação às políticas federais.
Goiás, por meio da incorporação
destes Capitais externos, passa a mudar sua estrutura econômica de criação de
gado para o mercado interno para uma agricultura de comércio externo, por meio
de uma série de financiamentos realizados com entidades financeiras
internacionais. Tal situação política só será mudada com o movimento de 1930
que, na busca para integrar esta região à economia nacional, busca desarticular
elites locais e, além de nomear interventores, toma para si enquanto projeto
nacional a necessidade de construção de símbolos do progresso nesta região,
marcando uma “Marcha para o Oeste” - sendo o primeiro destes a cidade de
Goiânia.
Um momento de reconfiguração mais recente de tais redes se deu com a reabertura democrática, na década de 1980, em que a Constituição do estado cria um sistema de submissão do legislativo ao executivo - por meio da possibilidade do “veto” e do encaminhamento por parte do executivo de projetos de leis em caráter de urgência (o que trava as discussões dos projetos propostos pelo legislativo) -. Junto a isso, com a federalização dos estados, cria-se uma submissão também dos prefeitos à figura do governador, pois este, na medida em que pode garantir empréstimos às cidades, também pode intervir na vida financeira dos municípios de forma a gerar um colapso com a cobrança destes créditos e financiamento. Portanto, criando um cenário de submissão às vontades daquele à frente do executivo estadual. Vale lembrar que, ainda hoje, a grande maioria dos prefeitos das cidades do interior são vinculados a grande porções de terras, sendo, portanto, base de manutenção de um projeto arcaico de sociedade.
III-
Ronaldo Caiado se apresenta
nacionalmente na política no momento de redemocratização do país. Ao ver o
avanço do movimento pela reforma agrária e o surgimento do MST, por exemplo,
organizou, durante as discussões constituintes, uma grande marcha em Brasília
em julho de 1987 com cerca de 30 mil pessoas em defesa dos “ruralistas” e suas
propriedades. Assim, conseguiu acumular forças para presidir a União
Democrática Ruralista (UDR), movimento miliciano protofascista responsável pela
morte de Chico Mendes, conseguindo ser candidato à presidência da república na
eleição de 1989. Contudo, na época obteve menos de 1% dos votos. Desde então, o
mesmo sempre na vida política, assumindo cargos no Congresso Federal e no
Senado. Sempre se apresentou enquanto um membro da direita - e efetivamente é
um dos principais ideólogos da direita no país - e liberal, compreendendo que
esse liberal diz respeito à liberdade de realizações de transações comerciais,
base do seu poder político.
Recentemente, ganhou destaque
nacional novamente por ser o articulador do golpe de 2016 contra a presidenta
Dilma no Senado Federal e um dos governadores, ao menos até o início da
pandemia, da base do ex-presidente Bolsonaro. Com o militarismo de Bolsonaro e
o clima de agitação social em decorrência de ao menos oito anos (2013-2018) de
intensos protestos e atividades políticas, Caiado achou na pauta da segurança
pública seu espaço de promoção política em nome da moralização da sociedade
brasileira - até porque usar violência para moralizar é algo que a família
Caiado sabe fazer bem a pelo menos 300 anos. Assim, com uma campanha com bases
em valores de “combate a corrupção” e integração da região, Caiado foi eleito
em primeiro turno em 2018, com o apoio da base bolsonarista, e se reelegeu em
primeiro turno, também, em 2022. Em grande medida, a sua segunda vitória se
relaciona com o apoio que passou a receber do MDB, que perdeu suas maiores
lideranças políticas em 2021 - Iris Rezende e Maguito Vilela - sobrando apenas
ser vice na chapa de Caiado, mobilizando toda a máquina e estrutura tradicional
emedebista no estado em prol da eleição - o MDB esteve a frente do estado de
Goiás de 1983 a 1999.
O racha no entre Caiado em Bolsonaro
nos demonstra uma rachadura no bloco promotor do golpe de 2016. Caiado não é um
aventureiro político que não tem nada a perder como Bolsonaro, na verdade
Caiado tem 3 séculos de história familiar com si. Na medida em que as agitações
e aspirações golpistas de Bolsonaro começam a ganhar cada vez mais corpo,
Caiado se distancia do ex-presidente principalmente no que diz respeito ao
discurso das urnas eletrônicas do ex-presidente e pela sua gestão da pandemia.
Assim, consolidando um núcleo de defesa do golpe e de seus objetivos
“originais” do qual Bolsonaro não faz
parte.
Ao analisarmos o último relatório
econômico de Goiás, referente ao ano de 2023, temos que Goiás na gestão Caiado
apresentou a agropecuária, a indústria e o setor de serviço em crescimentos.
Contudo, isso não significa que estejam atendendo a demandas internas da
população do estado, já que a agropecuária e as indústrias, os principais
setores que cresceram, ao mesmo tempo em que tiveram um aumento de participação
no PIB de 13% e 4% no referido ano, não empregaram mão de obra. Na verdade,
houve uma queda de 14 mil empregados no primeiro e 9 mil no segundo. Além
destes três setores, destaca-se, também, o setor de turismo e comércio como
atividades produtivas do estado, contudo, seus tamanhos não causam impactos
significativos para a análise que este texto se pretende a fazer.
No que diz a agropecuária, este, que
só se consolidou muito recentemente às vésperas do golpe empresarial-militar de
1964, ainda continua sendo o carro chefe da estrutura produtiva do estado por
meio de lavouras temporárias voltadas para o comércio externo, com destaque
para o milho, a soja e a cana e, quando não possível a realização destas, a
pecuária. O agronegócio representa, ainda segundo o relatório, 97% das
importações que o estado realiza em que, destes, 80% diz respeito a produtos
sem transformação e os os 20% de processos industrial básicos vinculados à
agroindústria - vale o destaque que, destes 97%, 63% diz respeito apenas a soja
in natura -, sendo os principais países que mandamos a produção são a China, a
Indonésia e o Vietnã. No que diz a produção industrial do estado, essa se
concentra na produção de produtos alimentícios, biocombustíveis e produtos
farmacêuticos e de cosmética. Assim, em grande medida, hoje é uma indústria dependente do agro. Junto a
isso, percebe-se um aumento também das atividades extrativistas no estado com
foco em minérios e soluções para a transição energética que também tem
representado parte significativa do PIB goiano frente a diversidade natural que
o estado apresenta, em especial na região da Chapada dos Veadeiros.
Tais dados nos mostram que pouco se
avançou na luta pela reconfiguração de nossa estrutura produtiva frente ao
sistema mundo de comércio que, por sua vez, é responsável pela manutenção de
nossa dependência econômica. Assim, somente mediante ao entendimento da base
material do estado frente aos movimentos dos capitais globalizados é que
podemos compreender as reconfigurações de formas sociais que têm surgido em
Goiás frente às novas demandas dos Capitais globalizados. Somente mediante
compreensão dos efeitos do neoliberalismo na política é que conseguimos fechar
esse quebra-cabeça.
Mais do que uma forma de organização
econômica, o neoliberalismo é a construção de uma nova racionalidade do
exercício do poder de forma a impedir a reorganização do movimento de
trabalhadores à nível internacional. Portanto, só pode consolidar sua hegemonia
mediante a destruição de toda e qualquer outra possibilidade, inclusive
imagética, de organização da sociedade. Com isso, entramos em uma nova fase em
que o Estado e o Mercado se juntam e se transformam em uma simbiose, logo, a
ideia de gerência econômica passa a ser o guia da organização da vida em
sociedade, incluindo o próprio conjunto de leis que passam a valer somente
mediante aos interesses do mercado, construindo um sistema “pós-democrático”
interventor na sociedade em detrimento da vontade dos detentores do poder
econômico.
O novo padrão de indivíduo na
sociedade é aquele que não questiona, pois este homem não mais é visto como um
ser social, mas como uma empresa - e, sendo uma empresa, o motivo do seu
fracasso se torna algo pessoal, portanto, de gestão, além de transformar todos
ao seu redor em um concorrente, logo, um inimigo a ser eliminado. Assim,
acompanhamos em ritmos acelerados a transformação das relações de trabalho para
um novo estágio histórico de servidão em que, por meio da construção do
gerenciamento, inverte-se a prioridade do trabalho que passa a ser a
representação (busca-se melhorar o perfil do empregado por meio de padrões de
produtividade e da auto auditoria) ao invés da construção de objetivos finais
coletivos. Contudo, mais do que novas formas de trabalho, tal processo cria uma
nova perspectiva em relação ao outro que caminha no sentido contrário a
qualquer tipo de coletividade e solidariedade de classe. Consequentemente, a
formação da obra ofertada pelo Estado está longe de ser emancipatória na medida
em que, ao fim, se pretende construir outro tipo de qualificação baseada na
liberdade, iniciativa e autonomia do trabalhador para ir atrás de acumular o
seu próprio Capital cultural de forma a ser capaz de antever a vontade do
patrão. Na medida em que o valor social dos indivíduos passam a depender cada
vez mais destes ocorre uma precarização da mão de obra em que o trabalho é
rebaixado a mera mercadoria como outra qualquer em ampla oferta.
Obviamente que uma ação de tal
magnitude promove uma série de reações por parte dos trabalhadores, problema
que não afeta o neoliberalismo na medida em que este se consolida em cima de
valores abstratos de liberdade e segurança individuais (liberdade de comprar
algo ou e segurança de não perder algo seu). Assim, o autoritarismo se adapta
perfeitamente como mediador das relações sociais neoliberais e, vendo essas
enquanto uma relação de mercado, busca melhor gerir a população, tratando-os
como rebanho - tornando essa “pós-democracia” em um “Estado de polícia”.
Somente mediante a esse entendimento é que podemos compreender a
centralidade da pauta da segurança pública para Caiado. Na medida em que o
estado de Goiás amplia sua relação com sistemas comerciais externos e passa a
reconfigurar a mão de obra para atendimento das demandas do mercado, assumimos,
ao mesmo tempo, índices preocupantes no que diz a atuação da Polícia Militar no
estado. A militarização da vida social, expressão máxima que se dá com a
construção das escolas militares, é a ordem do dia que visa construir, por meio
do autoritarismo, uma população cada vez mais ideologicamente vinculada à essa
hegemonia neoliberal. Assim, se o Estado é manipulado para atendimento de
interesses pessoais, também são os seus instrumentos.
A polícia caiadista é, hoje, um
grupo armado que está a mando do governador e que não tem receio algum em
acionar o gatilho caso seja preciso. Abertamente utilizada até para queima de
arquivo, hoje a PM goiana está entre as que mais matam no Brasil. Segundo dados
de 2023, se tirássemos o assasinato de pessoas promovido pela PM haveria uma
redução de mais de 35% dos índices em Goiás ao passo em que, o número de mortes
pela polícia ultrapassa mais da metade de número de mortes em crimes violentos
intencionais (enquanto em 2023 ocorreu 529 mortes por crimes intencionais
ocorreu 304 mortes pelas mãos da polícia). Ao mesmo tempo, a polícia
goiana é uma das mais atrasadas
nacionalmente no que diz respeito a implementação de medidas de proteção aos
direitos humanos, como o uso de câmaras em fardas de policiais e identificação
das viaturas mesmo Goiás sendo um dos estados que mais gastam dinheiro com
sistemas de vigilância e controle. A
polícia do Caiado tem ideologia e alvo: eliminar os problemas sociais- em especial
a juventude periférica - que colaboram para a desmoralização da sociedade - que
a esquerda corrompe incentivando o uso de drogas e em defesa da liberdade
sexual -. Aqui ainda cabe uma aproximação deste discurso com a proliferação de
igrejas evangélicas e a centralidade na atualidade da organização de movimentos
contra a opressão de gênero, contudo, essa é uma análise para outro momento.
Ainda sobre o pleito eleitoral de
2022, com o MBD no estado sem novas figuras políticas e com a impossibilidade
de uma terceira gestão estadual, o arranjo político que se fez foi que o MDB
passaria a ser base do governador em nome do apoio para um nome seu em 2026
para o governo estadual e ao União Brasil ficaria a prefeitura de Goiânia,
trazendo toda a estrutura partidário estadual do MDB para base do governador.
Em certa medida, é daí que surge Sandro Mabel. Industrial já conhecido da
política goiana, foi deputado federal na época do golpe de 2016 e, para além de
articular o golpe no congresso, participou, junto ao Temer, do petit comitê no palácio do Jaburu que
elaborou o movimento golpista - sendo assessor especial do próprio Temer após
queda de Dilma. Envolvido em esquema de corrupção, o mesmo deixou a política
por um tempo, quando passou a presidir a FIEG em Goiás. Mabel volta à política
após ser escolhido a dedo por Caiado para ser o candidato à prefeitura de
Goiânia de Caiado, filiando-se ao União Brasil e, juntos, ganham o pleito.
Recém completo 100 dias no governo,
vemos a gestão Mabel ser uma municipalização da gestão Caiado. Um assumido
tecnocrata, o atual prefeito de Goiânia já demonstrou o seu autoritarismo
diversas vezes em vídeos que o mesmo postou em sua rede social assediando a
população goianiense, chegando a partir para agressões físicas contra
trabalhadores informais e assédio à servidores em nome da “boa gestão” da
cidade. Isso, não nos parece estranho na medida em que para se colocar enquanto
bom gestor precisa-se existir um problema a ser solucionado, e esse problema
são os indivíduos que não mais passam a ser visto como seres sociais, mas como
um perigo para a sociedade - o que demanda uma campanha populista para sua
eliminação. Em cima do abandono que a cidade sofreu com a gestão Rogério Cruz
(Republicanos), Mabel passa a se colocar como “aquele que vai fazer a cidade
funcionar”. Utilizando a mesma tática que o governador de construir uma ideia
de calamidade financeira nas contas públicas, por meio do Decreto nº 1656/2025
o atual prefeito de Goiânia busca a todo custo aumentar o sua influência
política de forma com que este fique cada vez mais autônomo em relação à Câmara
legislativa.
Na última prestação de contas da
gestão Rogério Cruz, ocorrida em março de 2025, Mabel deixou claro, chegando a
verbalizar, que a prefeitura não está interessada em políticas sociais ou
aumento de subsídios para ampliar o atendimento de programas ou questões
vinculadas a questões sociais, mas de usar o dinheiro em caixa para a promoção
de grandes obras de infraestrutura. É isso que efetivamente temos visto ser
feito, com muitas mudanças no trânsito, por exemplo, para aliviar o fluxo de
carro, uma solução individual de uma problema coletivo, em nada foi sequer
ventilado sobre melhorias no transporte público, por exemplo (segundo o
relatório econômico de Goiás, ocorreu um aumento no setor de comércio
automotivo em 2023).
Assim, por meio da gestão econômica, Mabel tem promovido com certa celeridade a privatização de alguns setores, como o enxugamento da COMURG e manutenção do contrato com a Limpa Gyn e o programa “Brilha Goiânia” que terceiriza a troca da iluminação pública. Ao mesmo tempo, que cria novos impostos para a arrecadação do município, caso da chamada Taxa do Lixo que foi aprovada às pressas no governo de transição e até hoje a atual gestão não sabe como repassar essa para a população e que, também, não está claro para onde vai o dinheiro arrecadado com ela. Ao mesmo tempo, o prefeito se inspira no projeto realizado em Salvador de recuperação do centro histórico por meio de parceria público-privadas que deverá começar a ser implementado em Goiânia a partir do segundo semestre deste ano. Dessa forma, se caminha no sentido de uma gestão para realizar uma “organização” em Goiânia de forma a tornar esta cada vez mais chamativa e competitiva para atrair investimentos e atores de fora.
IV-
Tal
cenário se apresenta às vésperas de um ano eleitoral. Ao passo em que o
terceiro governo Lula se desmorona em nossas frentes e Bolsonaro recebe uma
investida cada vez maior por parte do STF no que diz à sua prisão como chefe
dos atos do 8 de janeiro abrem-se caminhos para a construção de outras
candidaturas, momento em que Caiado se afirma enquanto presidenciável. No
último dia 04 de abril, em Salvador-BA, Ronaldo Caiado realizou seu evento de
lançamento de pré-candidatura ao cargo de presidente da República. Dois são os
motivos que levam a escolha da capital baiana para tal: 1º Caiado acena para
sua base, policiais militares, já que a PM baiana é conhecida também por seus
altos índices de violência (o que já indica a centralidade da pauta da segurança
pública em sua campanha) e; 2º Caiado busca se aproximar dos seus iguais.
Em entrevista à CNN, Ronaldo Caiado
apresentou que o foco de sua pré-candidatura será o nordeste. Tal questão se dá
pois a formação social e estruturação do poder político na região, assim como
em Goiás, se deu sobre bases de uma série de relações que tem a terra e o
comércio exterior como centro de convergência das relações sociais. Assim como
se deu aqui, a figura do Coronel ainda é muito importante para a região que
ainda enfrenta uma série de problemas vinculados, principalmente, a
distribuição de água - na medida em que a entrada para o sertão nordestino
possibilitou o agrupamento de pessoas em torno de nascentes hídricas, colocando
a água como mediador das relações sociais desde o início da formação social de
nosso território nacional. Com isso, Caiado prioriza o diálogo com uma elite
ainda vinculada às redes comerciais globais que, na medida em que ocorre a
desindustrialização e reprimarização da economia brasileira, estas atuam de
forma a reposicionar o Brasil como país
dependente e agroexportador. Dessa maneira, Caiado ainda representa um núcleo
duro do golpe de 2016 que visa transformar o mercado de trabalho brasieleiro de
forma com que este se torne competitivo a nível internacional.
Em grande parte, sempre se construiu
na política com base no antipetismo. Na medida em que o capital global demanda
uma sociedade cada vez mais militarizada, acompanhamos o aprofundamento do
Estado de sítio permanente vivenciado pela juventude trabalhadora que convive
em meio à Guerra às Drogas. Embora o governo Lula III busque encontrar um meio
ponto no que diz a questão da segurança pública, Caiado articula seu
antipetismo à PEC apresentada pelo governo federal fazendo uma campanha
contrária a ela e se colocando como o solucionador da questão a nível nacional
(já que em Goiás ou bandido muda de profissão ou muda de estado, como diz a
campanha publicitária do governo estadual).
Assim, Caiado tem buscado reunir os grandes nomes do golpe de 2016, como
Sandro Mabel, mas indo além - cogitando Sérgio Moro como vice para sua chapa,
na construção da ideia de que o aumento da violência social está vinculado aos
governos petistas.
Os movimentos dos blocos históricos
frente a conjuntura atual nos demonstram a necessidade de aprofundar os debates
acerca de nossas estratégias e táticas frente ao avanço e consolidação do
projeto golpista de 2016. Em Goiás, Caiado consolidou um forte arranjo político
em defesa do seu projeto que demandará muitos esforços para a superação de tal.
Urge a construção de um amplo movimento de educação política pela
desmilitarização da vida no estado. Somente avançando na construção de um
projeto que parta da coletividade e da construção política de um programa que
dê conta de dar respostas sobre a totalidade dos sofrimentos que os goianos
enfrentam é que vamos devolver à classe trabalhadora o direito de se imaginar
no futuro.
Na prática, mais do que a
desmilitarização da própria polícia, é imprescindível que nossa luta seja pelo
fim da construção de toda e qualquer hierarquia de controle social (Estado,
família, igreja) pois são estas relações que estabelecem formas de opressão e
dominação do homem pelo homem. Contudo, tal discussão não deva ficar apenas no
campo da discussão abstrata e da agitação política, mas devemos em todos os
nossos ciclos sociais buscar, desde já, a construção de outra formas de nos
relacionarmos - em especial em nossas relações de trabalho, haja visto que este
é o ponto de tensionamento da ordem social, - pautada na coletividade e, acima
de tudo, na transformação da totalidade das relações do individual para o
coletivo, ou seja, na solidariedade de classe.
Com a vitória de Lula em 2022
ocorreu um ciclo de esvaziamento das lutas sociais que se intensificaram na
oposição à gestão Bolsonaro dos quais nunca mais conseguimos tomar fôlego para
nos recuperarmos - sendo o mais próximo disso o movimento contra o fim da
escala 6x1 que rapidamente foi aprisionado para a institucionalidade. O fato de
nesta análise de conjuntura não apresentar grande discussão sobre o campo
progressista em Goiás diz muito sobre a capacidade que este tem de assumir
qualquer tipo de protagonismo. Os principais quadros e dirigentes do PT goiano
são ligados à extrema fisiologia e o de mais reacionário que se tem no
movimento sindical nacional. Ao mesmo tempo, o PSOL, que nunca conseguiu um
enraizamento social amplo, e o PCdoB, que já se encontra melhor estruturado, se
colocam como uma força auxiliar ao PT. Embora tenha sido um espaço de
construção política programática extremamente importante durante a gestão do
Bolsonaro, hoje acompanhamos o esvaziamento e perda de força do principal instrumento
de construção da unidade do estado, o Fórum Goiano em Defesa dos Direitos, da
Democracia e Soberania, que apenas busca acompanhar a agenda de mobilizações
das centrais sindicais nacionais.
A experiência histórica do Brasil
tem nos demonstrado o fracasso de tal experiência democrática cooptativa vivida
no pós ditadura militar - que não foi capaz de fazer um único enfrentamento
estrutural no que diz respeito à mudança na estrutura produtiva do país. A
organização pela base, mantendo a autonomia do proletariado, e construção de um
movimento programático unificado é ponto central para que possamos fazer os
enfrentamentos necessários - o que demandará de nós cada vez maior capacidade
organizativa e de construção de quadros intermediários para realizar a disputa
da hegemonia da sociedade em prol da coletividade internacional dos
trabalhadores. Ou seja, abandonar a tese do Estado enquanto promotor social e
passar a submeter o Estado às vontades do povo.
REFERÊNCIAS
INSTITUTO
MAURO BORGES DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (IMB). Relatório conjuntural da economia goiana
2023 – março 2024. Goiânia: IMB, 2024. Disponível em < https://goias.gov.br/imb/wp-content/uploads/sites/29/2024/04/Boletim_003_2024_relatorio_conjuntural_da_economia_goiana_2024.pdf > acesso em 08 de abril de 2025.