Análise de Conjuntura nº 001/2025 (Goiás)

Análise da conjuntura em Goiás: As gestões do governo Caiado e as eleições de 2026

Consolidado em 12 de abril de 2025.

Por Arthur Ramos


            O texto a seguir foi apresentado no dia 12 de abril de 2025 em atividade da Escola de Formação Socialista. Sua discussão foi a primeira atividade de três que busca discutir o quadro da conjuntura goiana frente às duas gestões do governo Caiado (União Brasil) e o que se começa a desenhar no plano das articulações para as eleições de 2026. Assim, busca, em linhas gerais, analisar os tipos de relações sociais que têm sido constituídas no estado de Goiás que tendem a ser aprofundadas e reproduzidas a nível nacional na medida em que Caiado se coloca como presidenciável. 


I - 

          O surgimento da família Caiado no Brasil remonta a meados do século XVIII. Naquele momento, ao chegarem ao interior do país, encontram uma região recém desocupada devido ao esgotamento da produção aurífera e com a movimentação da mão de obra para atividades extrativistas do norte e, posteriormente, para os cafezais sudestinos. Assim, com o litoral voltado à produção de café e cana e o norte uma região de mata muito adensada, passa-se a desenvolver a atividade pecuarista neste território para abastecimento interno da sociedade. A escolha do gado, em grande parte, se deu pois era uma atividade que  não demandava mais do que grandes extensões de terra vazias que servissem como pasto e uma mão de obra sem qualquer tipo de qualificação e, haja visto que o gado era criado solto, portanto, com baixo valor de mercado, não era uma atividade tida como lucrativa.

A única forma de se manter uma estrutura como essa - de concentração de terra em um território tão grande e com baixa população -, como era a realidade no período de nossa independência politica de Portugal, foi por meio  da manutenção da escravidão que, posteriormente, soma-se ao com o impedimento do acesso à propriedade, que se deu com a aprovação da Lei de Terras (Lei 601/1850) do Império, que fixava altas taxas e custos para o processo de compra de terras. Dessa forma, percebemos uma articulação de uma classe política vinculada à terra pela continuidade de uma estrutura social ainda baseada na concentração de terras - o que reverbera na manutenção de um sistema produtivo baseado na produção de monocultura para a exportação que, para garantir uma maior lucratividade adota regimes de trabalhos superexplorados. Assim, por meio desta lei, abriu-se margens institucionais para uma série de processos de grilagem e falsificação de documentos em prol de famílias ricas que ocupavam grandes porções de terras, de forma a manterem suas posses.

Contudo, o fato de a produção do sertão estar voltada ao abastecimento do mercado interno criou-se um certa “zona de isolamento” do estado de Goiás com o restante do sistema produtivo nacional, na medida em que a região passa a receber um menor quantitativo de gente, em relação a São Paulo, por exemplo. Isso permitiu que a ocupação deste território  se deu a partir  de uma série de agrupamentos sociais em torno da figura dos donos das propriedades que, na ausência do Estado enquanto promotor do desenvolvimento regional, tomam essa responsabilidade para si. Ao fim, apenas resta aos trabalhadores que não tiveram condições de sair da região recorrer a essas estruturas oligárquicas para manutenção de suas vidas, o que gera uma situação favorável para a consolidação da influência política destas famílias por meio de uma série de relações clientelistas.

Com isso, não é estranho a família Caiado ter se posicionado - e ter fomentado campanhas - a favor do movimento abolicionista. O fim da escravidão, mais do que uma perspectiva de liberdade do homem, se deu em favor do rompimento com a monarquia na medida em que esta ainda tentava, no auge da revolução industrial no século XIX, reproduzir e adaptar nos trópicos uma sociedade das cortes. Assim, com o avançar das discussões e transformações republicanas, a federalização se fez presente na sociedade brasileira permitindo uma maior liberdade e autonomia dos estados frente ao governo central, o que demonstra a força política que estas elites locais desenvolveram.  Ainda assim, mesmo após a Proclamação da República, tensões no que diz respeito à autonomia dos estados ainda ocorreram e, em Goiás, acaba produzindo o chamado “Golpe 1909” para derrubada do presidente do estado à época e inicia-se uma era de quase 15 anos de total domínio da família sob a política regional, só sendo questionada tal com o movimento de 1930.

 

II -

            O coronelismo é uma forma política típica da primeira república do Brasil que se apresenta como manutenção da particularidade da formação social brasileira. Por meio da instauração de latifúndios integrados pelo comércio ao sistema mundo, ocorreu, na América Portuguesa, uma série de reproduções das estruturas e formas societárias modernas típicas da Europa. Assim, acompanhamos a reprodução de valores das antigas cortes sob novas bases econômicas - agora comerciais - que permitiram o surgimento de uma série de redes clientelistas. Por sua vez, estas se organizam em torno do organizador da produção, logo, do dono da terra, construindo uma particularidade histórica comum aos países da América Ibérica que, na falta de um Estado enquanto promotor do desenvolvimento regional, cabe àqueles que controlam a terra tal organização que, frente a necessidade produtiva, são as demandas externas que passam a organizar as relações de produção e, portanto, as sociais.

 Assim, mesmo assumindo diferentes formas ao longo do processo dialético de nossa formação, sempre houve no Brasil uma classe que, em poderio da terra, utilizava-se da estrutura do Estado para construção de projetos próprios. Apenas compreendendo a relação histórica destes coronéis, surgidos no século XIX que atravessam para os primeiros anos do século XX, com a terra é que podemos buscar entender o desenho das relações políticas que se constituíram em nossa história republicana. Em suma, estes coronéis, após o 15 de novembro, ao controlarem a terra em uma sociedade totalmente agrária e distante da política federal eram responsáveis pelo controle direto da produção e, consequentemente, de todas as demais relações sociais que se sucedem, portanto, relações construídas sobre bases autoritárias. O autoritarismo se dá pois, frente a imensidão de terras sem ocupação, a única forma de manter a concentração de terras se dá pelo uso da violência. Entender esse processo enquanto construção de autoritarismo se faz pois, na medida da constituição da condição de dependência de nossa economia ao sistema mundo, a violência sempre será a escolha mais fácil de garantia da superexploração da mão de obra. 

Por meio da federalização do país permitiu-se que os estados realizassem um série de ações comerciais e financeiras sem passar pelo Governo Federal, o que vinculou estes coronéis rapidamente as redes de comércio globais que, agora com a financeirização do capital, passaram a dialogar diretamente com o mercado financeiro internacional. Dessa forma, o estabelecimento do capital financeiro e especulativo neste território construiu uma forma específica de servidão pelo endividamento. Porém, no sertão, diferente de outras regiões do país em que existe um intermédio entre as instituições financeiras e a população como um todo em outros locais, os coronéis são quem assume a figura da intermediação criando um sistema de créditos e juros próprios a serem usados dentro de sua propriedade, que eram as únicas opções de acesso à produtos na região. Tal endividamento, junto ao autoritarismo destes, causaram certo imobilismo social que impede a construção de uma oposição mais incisiva - causando a constante reprodução de uma sociedade arcaica. Ao passo em que Goiás não era uma região importante para o comércio externo durante a Primeira República tal situação não incomodava o governo federal que, em troca do apoio eleitoral, articula com esses coronéis autonomia política das regiões em relação às políticas federais.

Goiás, por meio da incorporação destes Capitais externos, passa a mudar sua estrutura econômica de criação de gado para o mercado interno para uma agricultura de comércio externo, por meio de uma série de financiamentos realizados com entidades financeiras internacionais. Tal situação política só será mudada com o movimento de 1930 que, na busca para integrar esta região à economia nacional, busca desarticular elites locais e, além de nomear interventores, toma para si enquanto projeto nacional a necessidade de construção de símbolos do progresso nesta região, marcando uma “Marcha para o Oeste” - sendo o primeiro destes a cidade de Goiânia.

Um momento de reconfiguração mais recente de tais redes se deu com a reabertura democrática, na década de 1980, em que a Constituição do estado cria um sistema de submissão do legislativo ao executivo - por meio da possibilidade do “veto” e do encaminhamento por parte do executivo de projetos de leis em caráter de urgência (o que trava as discussões dos projetos propostos pelo legislativo) -. Junto a isso, com a federalização dos estados, cria-se uma submissão também dos prefeitos à figura do governador, pois este, na medida em que pode garantir empréstimos às cidades, também pode intervir na vida financeira dos municípios de forma a gerar um colapso com a cobrança destes créditos e financiamento. Portanto, criando um cenário de submissão às vontades daquele à frente do executivo estadual. Vale lembrar que, ainda hoje, a grande maioria dos prefeitos das cidades do interior são vinculados a grande porções de terras, sendo, portanto, base de manutenção de um projeto arcaico de sociedade. 


III-

Ronaldo Caiado se apresenta nacionalmente na política no momento de redemocratização do país. Ao ver o avanço do movimento pela reforma agrária e o surgimento do MST, por exemplo, organizou, durante as discussões constituintes, uma grande marcha em Brasília em julho de 1987 com cerca de 30 mil pessoas em defesa dos “ruralistas” e suas propriedades. Assim, conseguiu acumular forças para presidir a União Democrática Ruralista (UDR), movimento miliciano protofascista responsável pela morte de Chico Mendes, conseguindo ser candidato à presidência da república na eleição de 1989. Contudo, na época obteve menos de 1% dos votos. Desde então, o mesmo sempre na vida política, assumindo cargos no Congresso Federal e no Senado. Sempre se apresentou enquanto um membro da direita - e efetivamente é um dos principais ideólogos da direita no país - e liberal, compreendendo que esse liberal diz respeito à liberdade de realizações de transações comerciais, base do seu poder político.

Recentemente, ganhou destaque nacional novamente por ser o articulador do golpe de 2016 contra a presidenta Dilma no Senado Federal e um dos governadores, ao menos até o início da pandemia, da base do ex-presidente Bolsonaro. Com o militarismo de Bolsonaro e o clima de agitação social em decorrência de ao menos oito anos (2013-2018) de intensos protestos e atividades políticas, Caiado achou na pauta da segurança pública seu espaço de promoção política em nome da moralização da sociedade brasileira - até porque usar violência para moralizar é algo que a família Caiado sabe fazer bem a pelo menos 300 anos. Assim, com uma campanha com bases em valores de “combate a corrupção” e integração da região, Caiado foi eleito em primeiro turno em 2018, com o apoio da base bolsonarista, e se reelegeu em primeiro turno, também, em 2022. Em grande medida, a sua segunda vitória se relaciona com o apoio que passou a receber do MDB, que perdeu suas maiores lideranças políticas em 2021 - Iris Rezende e Maguito Vilela - sobrando apenas ser vice na chapa de Caiado, mobilizando toda a máquina e estrutura tradicional emedebista no estado em prol da eleição - o MDB esteve a frente do estado de Goiás de 1983 a 1999. 

O racha no entre Caiado em Bolsonaro nos demonstra uma rachadura no bloco promotor do golpe de 2016. Caiado não é um aventureiro político que não tem nada a perder como Bolsonaro, na verdade Caiado tem 3 séculos de história familiar com si. Na medida em que as agitações e aspirações golpistas de Bolsonaro começam a ganhar cada vez mais corpo, Caiado se distancia do ex-presidente principalmente no que diz respeito ao discurso das urnas eletrônicas do ex-presidente e pela sua gestão da pandemia. Assim, consolidando um núcleo de defesa do golpe e de seus objetivos “originais” do qual  Bolsonaro não faz parte.

Ao analisarmos o último relatório econômico de Goiás, referente ao ano de 2023, temos que Goiás na gestão Caiado apresentou a agropecuária, a indústria e o setor de serviço em crescimentos. Contudo, isso não significa que estejam atendendo a demandas internas da população do estado, já que a agropecuária e as indústrias, os principais setores que cresceram, ao mesmo tempo em que tiveram um aumento de participação no PIB de 13% e 4% no referido ano, não empregaram mão de obra. Na verdade, houve uma queda de 14 mil empregados no primeiro e 9 mil no segundo. Além destes três setores, destaca-se, também, o setor de turismo e comércio como atividades produtivas do estado, contudo, seus tamanhos não causam impactos significativos para a análise que este texto se pretende a fazer.

No que diz a agropecuária, este, que só se consolidou muito recentemente às vésperas do golpe empresarial-militar de 1964, ainda continua sendo o carro chefe da estrutura produtiva do estado por meio de lavouras temporárias voltadas para o comércio externo, com destaque para o milho, a soja e a cana e, quando não possível a realização destas, a pecuária. O agronegócio representa, ainda segundo o relatório, 97% das importações que o estado realiza em que, destes, 80% diz respeito a produtos sem transformação e os os 20% de processos industrial básicos vinculados à agroindústria - vale o destaque que, destes 97%, 63% diz respeito apenas a soja in natura -, sendo os principais países que mandamos a produção são a China, a Indonésia e o Vietnã. No que diz a produção industrial do estado, essa se concentra na produção de produtos alimentícios, biocombustíveis e produtos farmacêuticos e  de cosmética.  Assim, em grande medida, hoje é  uma indústria dependente do agro. Junto a isso, percebe-se um aumento também das atividades extrativistas no estado com foco em minérios e soluções para a transição energética que também tem representado parte significativa do PIB goiano frente a diversidade natural que o estado apresenta, em especial na região da Chapada dos Veadeiros.

Tais dados nos mostram que pouco se avançou na luta pela reconfiguração de nossa estrutura produtiva frente ao sistema mundo de comércio que, por sua vez, é responsável pela manutenção de nossa dependência econômica. Assim, somente mediante ao entendimento da base material do estado frente aos movimentos dos capitais globalizados é que podemos compreender as reconfigurações de formas sociais que têm surgido em Goiás frente às novas demandas dos Capitais globalizados. Somente mediante compreensão dos efeitos do neoliberalismo na política é que conseguimos fechar esse quebra-cabeça.

Mais do que uma forma de organização econômica, o neoliberalismo é a construção de uma nova racionalidade do exercício do poder de forma a impedir a reorganização do movimento de trabalhadores à nível internacional. Portanto, só pode consolidar sua hegemonia mediante a destruição de toda e qualquer outra possibilidade, inclusive imagética, de organização da sociedade. Com isso, entramos em uma nova fase em que o Estado e o Mercado se juntam e se transformam em uma simbiose, logo, a ideia de gerência econômica passa a ser o guia da organização da vida em sociedade, incluindo o próprio conjunto de leis que passam a valer somente mediante aos interesses do mercado, construindo um sistema “pós-democrático” interventor na sociedade em detrimento da vontade dos detentores do poder econômico.

O novo padrão de indivíduo na sociedade é aquele que não questiona, pois este homem não mais é visto como um ser social, mas como uma empresa - e, sendo uma empresa, o motivo do seu fracasso se torna algo pessoal, portanto, de gestão, além de transformar todos ao seu redor em um concorrente, logo, um inimigo a ser eliminado. Assim, acompanhamos em ritmos acelerados a transformação das relações de trabalho para um novo estágio histórico de servidão em que, por meio da construção do gerenciamento, inverte-se a prioridade do trabalho que passa a ser a representação (busca-se melhorar o perfil do empregado por meio de padrões de produtividade e da auto auditoria) ao invés da construção de objetivos finais coletivos. Contudo, mais do que novas formas de trabalho, tal processo cria uma nova perspectiva em relação ao outro que caminha no sentido contrário a qualquer tipo de coletividade e solidariedade de classe. Consequentemente, a formação da obra ofertada pelo Estado está longe de ser emancipatória na medida em que, ao fim, se pretende construir outro tipo de qualificação baseada na liberdade, iniciativa e autonomia do trabalhador para ir atrás de acumular o seu próprio Capital cultural de forma a ser capaz de antever a vontade do patrão. Na medida em que o valor social dos indivíduos passam a depender cada vez mais destes ocorre uma precarização da mão de obra em que o trabalho é rebaixado a mera mercadoria como outra qualquer em ampla oferta.

Obviamente que uma ação de tal magnitude promove uma série de reações por parte dos trabalhadores, problema que não afeta o neoliberalismo na medida em que este se consolida em cima de valores abstratos de liberdade e segurança individuais (liberdade de comprar algo ou e segurança de não perder algo seu). Assim, o autoritarismo se adapta perfeitamente como mediador das relações sociais neoliberais e, vendo essas enquanto uma relação de mercado, busca melhor gerir a população, tratando-os como rebanho - tornando essa “pós-democracia” em um “Estado de polícia”.  

  Somente mediante a esse entendimento é que podemos compreender a centralidade da pauta da segurança pública para Caiado. Na medida em que o estado de Goiás amplia sua relação com sistemas comerciais externos e passa a reconfigurar a mão de obra para atendimento das demandas do mercado, assumimos, ao mesmo tempo, índices preocupantes no que diz a atuação da Polícia Militar no estado. A militarização da vida social, expressão máxima que se dá com a construção das escolas militares, é a ordem do dia que visa construir, por meio do autoritarismo, uma população cada vez mais ideologicamente vinculada à essa hegemonia neoliberal. Assim, se o Estado é manipulado para atendimento de interesses pessoais, também são os seus instrumentos.

A polícia caiadista é, hoje, um grupo armado que está a mando do governador e que não tem receio algum em acionar o gatilho caso seja preciso. Abertamente utilizada até para queima de arquivo, hoje a PM goiana está entre as que mais matam no Brasil. Segundo dados de 2023, se tirássemos o assasinato de pessoas promovido pela PM haveria uma redução de mais de 35% dos índices em Goiás ao passo em que, o número de mortes pela polícia ultrapassa mais da metade de número de mortes em crimes violentos intencionais (enquanto em 2023 ocorreu 529 mortes por crimes intencionais ocorreu 304 mortes pelas mãos da polícia). Ao mesmo tempo, a polícia goiana  é uma das mais atrasadas nacionalmente no que diz respeito a implementação de medidas de proteção aos direitos humanos, como o uso de câmaras em fardas de policiais e identificação das viaturas mesmo Goiás sendo um dos estados que mais gastam dinheiro com sistemas de vigilância e controle.  A polícia do Caiado tem ideologia e alvo: eliminar os problemas sociais- em especial a juventude periférica - que colaboram para a desmoralização da sociedade - que a esquerda corrompe incentivando o uso de drogas e em defesa da liberdade sexual -. Aqui ainda cabe uma aproximação deste discurso com a proliferação de igrejas evangélicas e a centralidade na atualidade da organização de movimentos contra a opressão de gênero, contudo, essa é uma análise para outro momento.

Ainda sobre o pleito eleitoral de 2022, com o MBD no estado sem novas figuras políticas e com a impossibilidade de uma terceira gestão estadual, o arranjo político que se fez foi que o MDB passaria a ser base do governador em nome do apoio para um nome seu em 2026 para o governo estadual e ao União Brasil ficaria a prefeitura de Goiânia, trazendo toda a estrutura partidário estadual do MDB para base do governador. Em certa medida, é daí que surge Sandro Mabel. Industrial já conhecido da política goiana, foi deputado federal na época do golpe de 2016 e, para além de articular o golpe no congresso, participou, junto ao Temer, do petit comitê no palácio do Jaburu que elaborou o movimento golpista - sendo assessor especial do próprio Temer após queda de Dilma. Envolvido em esquema de corrupção, o mesmo deixou a política por um tempo, quando passou a presidir a FIEG em Goiás. Mabel volta à política após ser escolhido a dedo por Caiado para ser o candidato à prefeitura de Goiânia de Caiado, filiando-se ao União Brasil e, juntos, ganham o pleito.

Recém completo 100 dias no governo, vemos a gestão Mabel ser uma municipalização da gestão Caiado. Um assumido tecnocrata, o atual prefeito de Goiânia já demonstrou o seu autoritarismo diversas vezes em vídeos que o mesmo postou em sua rede social assediando a população goianiense, chegando a partir para agressões físicas contra trabalhadores informais e assédio à servidores em nome da “boa gestão” da cidade. Isso, não nos parece estranho na medida em que para se colocar enquanto bom gestor precisa-se existir um problema a ser solucionado, e esse problema são os indivíduos que não mais passam a ser visto como seres sociais, mas como um perigo para a sociedade - o que demanda uma campanha populista para sua eliminação. Em cima do abandono que a cidade sofreu com a gestão Rogério Cruz (Republicanos), Mabel passa a se colocar como “aquele que vai fazer a cidade funcionar”. Utilizando a mesma tática que o governador de construir uma ideia de calamidade financeira nas contas públicas, por meio do Decreto nº 1656/2025 o atual prefeito de Goiânia busca a todo custo aumentar o sua influência política de forma com que este fique cada vez mais autônomo em relação à Câmara legislativa.

Na última prestação de contas da gestão Rogério Cruz, ocorrida em março de 2025, Mabel deixou claro, chegando a verbalizar, que a prefeitura não está interessada em políticas sociais ou aumento de subsídios para ampliar o atendimento de programas ou questões vinculadas a questões sociais, mas de usar o dinheiro em caixa para a promoção de grandes obras de infraestrutura. É isso que efetivamente temos visto ser feito, com muitas mudanças no trânsito, por exemplo, para aliviar o fluxo de carro, uma solução individual de uma problema coletivo, em nada foi sequer ventilado sobre melhorias no transporte público, por exemplo (segundo o relatório econômico de Goiás, ocorreu um aumento no setor de comércio automotivo em 2023).

 Assim, por meio da gestão econômica, Mabel tem promovido com certa celeridade a privatização de alguns setores, como o enxugamento da COMURG e manutenção do contrato com a Limpa Gyn e o programa “Brilha Goiânia” que terceiriza a troca da iluminação pública. Ao mesmo tempo, que cria novos impostos para a arrecadação do município, caso da chamada Taxa do Lixo que foi aprovada às pressas no governo de transição e até hoje a atual gestão não sabe como repassar essa para a população e que, também, não está claro para onde vai o dinheiro arrecadado com ela. Ao mesmo tempo, o prefeito se inspira no projeto realizado em Salvador de recuperação do centro histórico por meio de parceria público-privadas que deverá começar a ser implementado em Goiânia a partir do segundo semestre deste ano. Dessa forma, se caminha no sentido de uma gestão para realizar uma “organização” em Goiânia de forma a tornar esta cada vez mais chamativa e competitiva para atrair investimentos e atores de fora.


IV-

            Tal cenário se apresenta às vésperas de um ano eleitoral. Ao passo em que o terceiro governo Lula se desmorona em nossas frentes e Bolsonaro recebe uma investida cada vez maior por parte do STF no que diz à sua prisão como chefe dos atos do 8 de janeiro abrem-se caminhos para a construção de outras candidaturas, momento em que Caiado se afirma enquanto presidenciável. No último dia 04 de abril, em Salvador-BA, Ronaldo Caiado realizou seu evento de lançamento de pré-candidatura ao cargo de presidente da República. Dois são os motivos que levam a escolha da capital baiana para tal: 1º Caiado acena para sua base, policiais militares, já que a PM baiana é conhecida também por seus altos índices de violência (o que já indica a centralidade da pauta da segurança pública em sua campanha) e; 2º Caiado busca se aproximar dos seus iguais.

Em entrevista à CNN, Ronaldo Caiado apresentou que o foco de sua pré-candidatura será o nordeste. Tal questão se dá pois a formação social e estruturação do poder político na região, assim como em Goiás, se deu sobre bases de uma série de relações que tem a terra e o comércio exterior como centro de convergência das relações sociais. Assim como se deu aqui, a figura do Coronel ainda é muito importante para a região que ainda enfrenta uma série de problemas vinculados, principalmente, a distribuição de água - na medida em que a entrada para o sertão nordestino possibilitou o agrupamento de pessoas em torno de nascentes hídricas, colocando a água como mediador das relações sociais desde o início da formação social de nosso território nacional. Com isso, Caiado prioriza o diálogo com uma elite ainda vinculada às redes comerciais globais que, na medida em que ocorre a desindustrialização e reprimarização da economia brasileira, estas atuam de forma a  reposicionar o Brasil como país dependente e agroexportador. Dessa maneira, Caiado ainda representa um núcleo duro do golpe de 2016 que visa transformar o mercado de trabalho brasieleiro de forma com que este se torne competitivo a nível internacional.

Em grande parte, sempre se construiu na política com base no antipetismo. Na medida em que o capital global demanda uma sociedade cada vez mais militarizada, acompanhamos o aprofundamento do Estado de sítio permanente vivenciado pela juventude trabalhadora que convive em meio à Guerra às Drogas. Embora o governo Lula III busque encontrar um meio ponto no que diz a questão da segurança pública, Caiado articula seu antipetismo à PEC apresentada pelo governo federal fazendo uma campanha contrária a ela e se colocando como o solucionador da questão a nível nacional (já que em Goiás ou bandido muda de profissão ou muda de estado, como diz a campanha publicitária do governo estadual).  Assim, Caiado tem buscado reunir os grandes nomes do golpe de 2016, como Sandro Mabel, mas indo além - cogitando Sérgio Moro como vice para sua chapa, na construção da ideia de que o aumento da violência social está vinculado aos governos petistas.

Os movimentos dos blocos históricos frente a conjuntura atual nos demonstram a necessidade de aprofundar os debates acerca de nossas estratégias e táticas frente ao avanço e consolidação do projeto golpista de 2016. Em Goiás, Caiado consolidou um forte arranjo político em defesa do seu projeto que demandará muitos esforços para a superação de tal. Urge a construção de um amplo movimento de educação política pela desmilitarização da vida no estado. Somente avançando na construção de um projeto que parta da coletividade e da construção política de um programa que dê conta de dar respostas sobre a totalidade dos sofrimentos que os goianos enfrentam é que vamos devolver à classe trabalhadora o direito de se imaginar no futuro.

Na prática, mais do que a desmilitarização da própria polícia, é imprescindível que nossa luta seja pelo fim da construção de toda e qualquer hierarquia de controle social (Estado, família, igreja) pois são estas relações que estabelecem formas de opressão e dominação do homem pelo homem. Contudo, tal discussão não deva ficar apenas no campo da discussão abstrata e da agitação política, mas devemos em todos os nossos ciclos sociais buscar, desde já, a construção de outra formas de nos relacionarmos - em especial em nossas relações de trabalho, haja visto que este é o ponto de tensionamento da ordem social, - pautada na coletividade e, acima de tudo, na transformação da totalidade das relações do individual para o coletivo, ou seja, na solidariedade de classe.

Com a vitória de Lula em 2022 ocorreu um ciclo de esvaziamento das lutas sociais que se intensificaram na oposição à gestão Bolsonaro dos quais nunca mais conseguimos tomar fôlego para nos recuperarmos - sendo o mais próximo disso o movimento contra o fim da escala 6x1 que rapidamente foi aprisionado para a institucionalidade. O fato de nesta análise de conjuntura não apresentar grande discussão sobre o campo progressista em Goiás diz muito sobre a capacidade que este tem de assumir qualquer tipo de protagonismo. Os principais quadros e dirigentes do PT goiano são ligados à extrema fisiologia e o de mais reacionário que se tem no movimento sindical nacional. Ao mesmo tempo, o PSOL, que nunca conseguiu um enraizamento social amplo, e o PCdoB, que já se encontra melhor estruturado, se colocam como uma força auxiliar ao PT. Embora tenha sido um espaço de construção política programática extremamente importante durante a gestão do Bolsonaro, hoje acompanhamos o esvaziamento e perda de força do principal instrumento de construção da unidade do estado, o Fórum Goiano em Defesa dos Direitos, da Democracia e Soberania, que apenas busca acompanhar a agenda de mobilizações das centrais sindicais nacionais.

A experiência histórica do Brasil tem nos demonstrado o fracasso de tal experiência democrática cooptativa vivida no pós ditadura militar - que não foi capaz de fazer um único enfrentamento estrutural no que diz respeito à mudança na estrutura produtiva do país. A organização pela base, mantendo a autonomia do proletariado, e construção de um movimento programático unificado é ponto central para que possamos fazer os enfrentamentos necessários - o que demandará de nós cada vez maior capacidade organizativa e de construção de quadros intermediários para realizar a disputa da hegemonia da sociedade em prol da coletividade internacional dos trabalhadores. Ou seja, abandonar a tese do Estado enquanto promotor social e passar a submeter o Estado às vontades do povo.

 

REFERÊNCIAS

 

INSTITUTO MAURO BORGES DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (IMB). Relatório conjuntural da economia goiana 2023 – março 2024. Goiânia: IMB, 2024. Disponível em < https://goias.gov.br/imb/wp-content/uploads/sites/29/2024/04/Boletim_003_2024_relatorio_conjuntural_da_economia_goiana_2024.pdf > acesso em 08 de abril de 2025.