Análise de Conjuntura Político-Eleitoral nº 005/2018

Consolidado em 04 de outubro de 2018

1- Nos últimos dias, a polarização entre a extrema-direita, representada por Bolsonaro, e o centro-esquerda, representado por Haddad, se radicalizou. Apesar de seu conteúdo relativamente “corporativo”, pois focado fundamentalmente no combate à pauta misógina, racista e homofóbica do bolsonarismo, o êxito da campanha do #ELENÃO# e o caráter massivo das manifestações ocorridas em todo o país e no exterior no dia 29/09 demonstrou a força da perspectiva antifascista em setores sociais variados, fortalecendo o voto útil na candidatura petista e fortalecendo sua passagem para o segundo turno. Porém, talvez por conta de seus limites “corporativos”, que dificultaram a incorporação de outras demandas ao movimento, também gerou o seu contrário: uma forte reação de todos os setores identificados com o antipetismo, com ressonâncias na própria centro-esquerda, e o avanço do voto útil em Bolsonaro. Mais do que isto, nesta semana final da campanha desencadeia-se um verdadeiro cerco à candidatura petista promovido pelos setores golpistas e a sua exposição a uma profusão de fakes nas redes sociais.

2- Conforme assinalado, contraditoriamente a campanha do #ELENÃO# mobilizou diversos setores que ainda estavam alheios à campanha e que passaram a se posicionar com clareza contra a ameaça fascista, atraindo inclusive setores conservadores e de direita por conta da pauta misógina, homofóbica e racista de Bolsonaro, além de, indiretamente, fortalecer o petismo. Porém, justamente por isto, gerou uma forte reação dos setores organicamente identificados com o bolsonarismo e atraiu o apoio de setores antipetistas que vêem na candidatura do deputado o único caminho para barrar a vitória do PT. Nas recentes pesquisas de intenção de voto Bolsonaro cresce e a rejeição a Haddad aumenta ostensivamente. Este movimento adquiriu tamanha envergadura que setores do bloco no poder já se movimentam apoiando explicitamente a candidatura Bolsonaro e/ou bombardeando a candidatura petista, com vistas à garantir a vitória do deputado já no primeiro turno.

3- O reforço do antipetismo se dá primeiramente na própria campanha dos candidatos que disputam à direita e à esquerda a vaga no segundo turno. De um lado, a tentativa da candidatura Alckmin de assumir a condição de opção unificada das direitas, como única candidatura capaz de vencer Haddad e evitar o retorno do PT ao governo federal, o leva a reeditar toda a cantilena golpista em torno da questão da corrupção, da prisão de Lula e da responsabilização dos governos petistas pela crise. Esta tática não só fracassou como gerou o seu inverso, tanto em termos de intenção de votos, quanto em termos de apoios políticos, porque ao invés de atrair o voto antipetista dado a Bolsonaro e outras candidaturas de direita, fez aumentar a adesão eleitoral e política à candidatura do deputado. Além disso, setores do PSDB, do DEM/PFL, do PP e do PRB abandonam abertamente a candidatura Alckmin em favor do candidato da extrema direita para “surfar” em sua ascensão eleitoral e viabilizar suas candidaturas no plano estadual. Buscando atrair o voto de centro e de esquerda para si, Ciro Gomes também bombardeia a candidatura Haddad; alega que sua vitória dividirá o país e também responsabiliza os governos petistas pela crise – particularmente o governo Dilma. As pesquisas de intenção de voto indicam que esta tática também não tem dado certo, pois Ciro não tem crescido. Por outro lado, é importante que se diga que a opção do PT por fazer uma campanha propositiva também favorece, involuntariamente, o avanço do antipetismo. Isto porque apenas bate no governo Temer e idealiza a experiência do governo Lula, se comprometendo a restaurar uma espécie de “paraíso perdido”, evitando se defender dos ataques do antipetismo e atacar as outras candidaturas do campo golpista, principalmente Bolsonaro e Alckmin, para manter abertas as portas para uma futura “pacificação” no período pós-eleitoral.

4- Diante disso tem ocorrido um esforço por parte de setores do bloco no poder em evitar a vitória petista, buscando esvaziar a tendência de crescimento da candidatura Haddad; o que em contrapartida, favorece a adesão à Bolsonaro e a possibilidade (ainda pouco provável) de vitória já no primeiro turno. Esse esforço deve se prorrogar até o domingo e se intensificar durante a campanha do segundo turno (se houver), a exemplo de processos em curso que passamos a destacar. Em primeiro lugar, setores do Judiciário desencadearam quatro iniciativas que expressam clara intervenção no processo eleitoral: o cancelamento do título de eleitor de 3,5 milhões de eleitores que não fizeram o registro biométrico (a maioria no Nordeste, onde o candidato petista é favorito); a negativa ao pedido de autorização para que Lula pudesse conceder entrevista à imprensa, o que beneficiaria seu candidato; a autorização para que Adélio Bispo fizesse o mesmo, o que abre a possibilidade dele criminalizar o PT no atentado a Bolsonaro; a liberação de trechos do depoimento de Antonio Palocci na LavaJato acusando Lula e o PT de corrupção, o que tem contribuído para que a grande mídia engrosse o difuso sentimento antipetista. Em segundo lugar, a grande mídia, particularmente a Rede Globo, tem noticiado de forma orientada numa certa direção, a exemplo da cobertura das manifestações do #ELENÃO# e da reação dos grupos bolsonaristas do #ELESIM#, como se ambas tivessem tido a mesma adesão popular e o mesmo tamanho em termos de mobilização; ou ainda de dar pleno direito de resposta para a ex-mulher de Bolsonaro desmentir as acusações veiculadas por Veja na semana anterior. Tais iniciativas, particularmente no que tange a Globo, indicam um movimento de aproximação da candidatura Bolsonaro, posto que seja a única alternativa ao retorno do PT ao poder governamental, em desfavor de Alckmin, o candidato orgânico do grande capital. Em terceiro lugar, nos últimos dias a onda adesista em torno da candidatura Bolsonaro estimulou igrejas evangélicas, empresários e empresas de diversas áreas (particularmente aquelas que usam e abusam do trabalho precarizado e da terceirização), articulações políticas e organizações de classe que já faziam campanha por sua eleição a explicitarem ainda mais sua posição, como Edir Macedo (Igreja Universal, PRB e Rede Record), Luciano Hang (Havan), Flávio Rocha (Riachuelo), Estácio, Brinquedos Estrela, a Frente Parlamentar da Agropecuária e a Federação da Agricultura do Pará, entre outros. Abundam relatos de assédio à funcionários para que votem em seu candidato no próximo domingo, evidenciando que o compromisso do candidato com a reforma trabalhista e com mais ataques aos direitos trabalhistas tem surtido efeito. Por fim, assiste-se entre os militares a ampliação do apoio ao candidato Bolsonaro. Esse apoio não se restringe aos escalões inferiores e intermediários e aos reformados, mas também avança entre a alta oficialidade. No Alto Comando do Exército, por exemplo, predominam oficiais que o apóiam. Em resumo, está em curso um grande esforço por parte de setores do bloco no poder em evitar a vitória petista, tendo em vista garantir a vitória de Bolsonaro já no primeiro turno para evitar um período longo de embate direto com a candidatura petista, que poderia favorecer Haddad por conta do voto útil antifascista, da mobilização da militância de esquerda e do seu próprio desempenho na propaganda de rádio e TV e nos debates. No momento a tendência predominante é de que ocorra o segundo turno, porém a situação pode evoluir rapidamente nos próximos dias para um desfecho do processo eleitoral ainda no primeiro turno.   

5- Essas iniciativas indicam que há da parte desses setores do bloco no poder uma clara rejeição à perspectiva de conciliação e acomodação com um hipotético governo petista, que normalizaria o golpe por meio de sua versão soft – aplicação de um programa neoliberal moderado, atenuação dos efeitos mais deletérios das contrarreformas já aprovadas, ajuste fiscal gradualista e Reforma da Previdência pactuada com a burocracia sindical –, em favor do aprofundamento ainda maior da plataforma do golpe, com a combinação entre neoliberalismo extremado nos planos econômico e social e incorporação de elementos fascistas na autocracia burguesa no plano político. Esta perspectiva sugere que a onda adesista por parte do bloco no poder na reta final da campanha deve se intensificar, gerando uma série de novas manobras nos planos judicial e midiático para influenciar o processo eleitoral, reeditando movimentação semelhante à que ocorreu em 1989 para garantir a eleição de Fernando Collor. Todavia, não é possível prever o impacto que este tipo de iniciativa poderá exercer no eleitorado de hoje. 

6- A derrota eleitoral dessa “nova” extrema direita, marcadamente fascista e neoliberal, passa a depender cada vez mais de um discurso político mais agressivo, orientado aos trabalhadores e às camadas médias intermediárias e baixas, diante da ameaça fascista e da perspectiva golpista, bem como da combinação entre campanha eleitoral e mobilização social que incorpore os mais variados setores e movimentos sociais. Esse discurso e mobilização tem que se apoiar sobre lutas que incluam e ultrapassem pautas específicas (machismo, homofobia, racismo, etc.), sobretudo realçando as relações de classes presentes na disputa político-eleitoral, evidenciando a quem serve e o que acarreta o programa neoliberal ultra-extremado em termos econômicos (desemprego, queda da renda familiar) e sociais (desagregação da saúde, educação, previdência; exclusão e marginalização social generalizada). Todavia, a derrota social e estratégica dessa “nova” extrema direita passa pela elevação dos níveis de consciência das classes trabalhadoras, da construção de uma vasta organização independente e autônoma dos trabalhadores e da afirmação de formas e experiências de poder popular.