Frente Política Ampla e Frente Política de Esquerda: Demandas e Desafios no Tempo Presente

Texto para Discussão nº 001 - Em consolidação

1. O uso do termo “Frente Política” guarda uma trajetória complexa no movimento operário e popular de tradição marxista. Fez-se presente nas decisões que envolviam alianças políticas anteriormente mesmo à sua própria formulação. O termo Frente Política se viu acompanhado de um complemento que, em grande medida, encerrava o conteúdo de relações políticas sobre os quais estava estabelecido, em termos de sua dimensão (tática e/ou estratégica) e da aliança política (classista, policlassista, etc.) que configurava. Assim, historicamente a Frente Política foi, basicamente, Única, Popular, Ampla, Nacional e de Esquerda.


Origens e Primeiras Características das Frentes Políticas

2. A presença do termo Frente Política, anteriormente à sua própria formulação teórica, está presente em Marx e Engels em suas obras históricas. Por exemplo, apresenta-se como Frente Política Ampla de caráter democrático, anti-aristocrático e anti-absolutista no contexto da Revolução Democrático-Burguesa da Alemanha. Na obra “Luta de Classes na Alemanha”, pode-se identificar que essa Frente Política Ampla foi aglutinadora de diversas classes e segmentos sociais (pequenos burgueses lojistas, artesãos, operários, jovens intelectuais) e expressões político-ideológicas (liberais, socialistas utópicos, comunistas). Do ponto de vista de Marx e Engels, dentre os desafios políticos colocados para essa Frente Política Ampla democrática, anti-aristocrática e anti-absolutista estava a preservação da unidade das classes e segmentos sociais revolucionários e da independência do partido dos operários como aquele que poderia assegurar maior consequência à Revolução Democrático-Burguesa da Alemanha.

3. A Frente Política Ampla formada no texto das lutas da classe burguesa contra o domínio aristocrático, em especial durante o advento das Revoluções de 1848 a 1853, caracterizou-se por apresentar uma dimensão política de caráter predominantemente ofensivo. Isto porque ela emergiu no contexto da longa crise e transição da hegemonia aristocrática para a hegemonia burguesa e da assunção dos movimentos sociais e políticos anti-aristocráticos e anti-absolutistas. Nesse contexto, formou-se um bloco anti-absolutista que unificou numa frente política a burguesia liberal, a pequena burguesia democrática e os trabalhadores socialistas/comunistas, atuando conjuntamente em diversas revoluções nos anos de 1848 e 1849. Na Alemanha, país ainda dominado pelo feudalismo, pela fragmentação política e pelo baixo desenvolvimento econômico, o “partido comunista”, liderado por Marx e Engels, defendia a estratégia da revolução em permanência, ou seja, a passagem do feudal-absolutismo para o socialismo num processo revolucionário permanente, cujo ritmo seria ditado pela capacidade da classe trabalhadora em se constituir como força política autônoma, capaz de combater e derrubar sucessivamente as classes proprietárias, da aristocracia feudal à burguesia e à pequena burguesia, até a criação da ditadura do proletariado, com o estabelecimento de sua dominação social e política. Neste sentido, a revolução permanente seria desencadeada não só para eliminar as estruturas feudal-absolutistas, mas para unificar o país, criar a república democrática e iniciar a transição para o socialismo. Para tanto, os trabalhadores deveriam apoiar uma revolução democrática e anti-feudal liderada pela burguesia, em seguida aliar-se à pequena burguesia contra o governo burguês para derrubá-lo em favor de um governo pequeno-burguês que aprofundasse as liberdades democráticas. A partir daí os trabalhadores buscariam criar instâncias de contra poder nos planos econômico, político e militar, garantindo sua autonomia política, organizativa e ideológica, até se constituir como classe dominante por meio de uma revolução social que constituísse a ditadura do proletariado. Portanto, a estratégia da revolução permanente implicava na formação de uma Frente Política Ampla que seria progressivamente depurada até a constituição do poder proletário.

4. Posteriormente à unificação das classes burguesa e aristocrática, da progressiva afirmação da hegemonia burguesa e da crescente afirmação de sistemas públicos e privados complexos de dominação política e ideológica, a Frente Política Ampla, em termos de alianças de classes, passou a assumir uma dimensão política de caráter predominantemente defensivo, pois passou a se constituir em uma solução política tática aplicada fundamentalmente em uma conjuntura e/ou período de luta de classes marcada pelo avanço das forças reacionárias e de recuo/derrota do campo progressista e das forças revolucionárias. Condições estas que passariam exigir a unidade de forças políticas e sociais, ainda que possuíssem profundas divergências no tocante à perspectiva estratégica de luta em relação ao capitalismo. Todavia, deve-se registrar que, posteriormente à afirmação da dominação burguesa, ocorreram poucas experiências históricas em que a Frente Política Ampla desenvolveu e assumiu uma dimensão de caráter ofensivo desde o início da sua criação. Tal realidade geralmente ocorreu quando a mesma foi elevada à condição de estratégia política do campo da esquerda socialista e comunista, a exemplo da Frente Política Ampla no Uruguai, que se estende de 1971 aos dias atuais, conduzindo uma movimentação ofensiva de construção de uma democracia liberal representativa avançada contra um sistema político-partidário secularmente oligarquizado, controlado pelos partidos Blanco e Colorado.

5. Na Rússia de 1917, a articulação entre Frente Política e estratégia da revolução permanente foi colocada novamente em pauta pelo movimento revolucionário, porém, numa perspectiva diferente. Isto porque não se tratava de apoiar a burguesia numa Frente Política Ampla contra a nobreza e o Estado absolutista, mas de viabilizar a aliança do operariado com a pequena burguesia, expressa na enorme massa camponesa russa, combinando o controle proletário da produção na economia urbana, por meio dos sovietes e a propriedade camponesa na economia agrária, sob gestão das comunas rurais. Essa articulação contava ainda com a vitória da revolução socialista no Ocidente. A aliança operário-camponesa daí derivada teve êxito com a Revolução de Outubro (1917-1918) e foi fundamental para a derrota militar da contra-revolução (1918-1920). Porém, devido a uma conjuntura bastante desfavorável à estratégia da revolução permanente, o debate sobre a aliança operário-camponesa foi retomado em novas bases na conjuntura de 1921-22, no âmbito da tática da Frente Política Única. Se, de um lado, a vitória do Exército Vermelho na Guerra Civil permitiu salvar o poder bolchevique e impedir a restauração aristocrático-burguesa, de outro lado, também é um período de refluxo da revolução mundial, com a derrota da revolução operária socialista na Europa e consequente avanço das forças reacionárias, principalmente fascistas. Além de um momento de isolamento internacional da URSS, os bolcheviques se depararam com manifestações de descontentamento entre operários e camponeses em relação ao próprio governo bolchevique e de urgência de reconstrução e desenvolvimento econômico. Diante deste cenário, Lênin apontou a necessidade de formação de uma Frente Política Única, que envolvesse não só a recomposição da aliança operário-camponesa na Rússia, mas a unificação das classes trabalhadoras numa luta comum em defesa dos seus interesses, propugnando a ação conjunta entre comunistas e socialdemocratas no movimento operário. A aliança operário-camponesa em torno da Nova Política Econômica (NEP), tendo em vista a instituição de um capitalismo monopolista de Estado como pré-condição para a transição socialista e a promoção de um conjunto de concessões privatistas para a economia agro-mercantil e o capital externo, deixando provisoriamente de lado a perspectiva propriamente socialista do controle operário da produção, na medida em que os soviets foram sendo esvaziados em favor dos comissários do partido e dos gerentes na direção das empresas e do planejamento econômico. Já o estabelecimento da ação conjunta entre comunistas e socialdemocratas enfrentou enormes dificuldades, devido à profundidade das divisões criadas em longo dos anos e ao predomínio de uma perspectiva sectária de parte a parte.

6. As dificuldades da NEP, o colapso definitivo da revolução operária socialista na Europa que ensejou o reforço das forças fascistas e o aprofundamento de compromissos e adesão dos partidos socialdemocratas com governos democrático-burgueses na Europa, o colapso da aliança antiimperialista entre o Kuomintang e o Partido Comunista na China e o desenrolar de uma nova crise capitalista em termos mundiais a partir de 1929/30, concorreram para a adoção de uma nova orientação política para o movimento comunista internacional, marcada pelo confronto “classe contra classe” e pelo esquerdismo. Tinha curso o chamado “Terceiro Período”, tendo por corolário as teorias do “social-fascismo”, qual seja que o fascismo e a socialdemocracia eram tão somente variações do Estado burguês em sua fase monopolista, devendo a socialdemocracia ser denunciada e combatida tal qual o fascismo.

7. Ao mesmo tempo em que eclodiu a crise de 1929/30, na URSS a NEP foi interrompida em favor da coletivização forçada do campo, da industrialização acelerada e do planejamento estatal, abandonando definitivamente a estratégia da revolução permanente e a perspectiva socialista de controle operário da produção, rompendo a aliança operário-camponesa e desencadeando uma espécie de nova guerra civil entre o governo bolchevique e o campesinato. Em termos mundiais, a crise de 1929/30, ao invés de favorecer a ruptura revolucionária, concorreu para gerar o seu contrário, posto que a situação de crise e a divisão das forças populares somaram para que o fascismo avançasse ainda mais, conquistando a Alemanha e mais tarde um conjunto de outros países na Europa. Nesse contexto, na URSS a perspectiva de avanço do socialismo foi definitivamente afastada em favor da industrialização acelerada e do chamado “socialismo em um só país”, o que efetivamente consistia na consolidação do capitalismo de Estado, da autocracia estalinista, da industrialização em marcha super-forçada e da super-extração do sobre-trabalho na cidade e no campo.

8. Diante do fracasso da estratégia do “Terceiro Período”, que teve sua cota de responsabilidade com a consolidação do fascismo na Itália e a assunção do nazi-fascismo na Alemanha, retomou-se a partir de 1934 a perspectiva da condução de uma Frente Política, a então chamada Frente Política Popular. Frente tática que assumia um caráter amplo, abrangendo desde as forças atuantes no movimento operário até setores burgueses de perfil democrático, como liberais e republicanos, numa aliança defensiva para fazer frente à assunção do fascismo. Buscou-se assim não apenas superar a cisão inconciliável que animou os partidos comunistas e a Terceira Internacional em relação aos partidos socialdemocratas e a Segunda Internacional durante o “Terceiro Período”, mas incorporar todos os segmentos antifascistas.

9. Em 1943, com o fim da Terceira Internacional e a consolidação da Grande Aliança contra os países do Eixo na Segunda Guerra Mundial, a perspectiva da Frente Política adotada nos anos 1930 foi ampliada, porém, sem mais uma orientação comum para todos os partidos comunistas, por isso variando de país para país e de colônia para colônia conforme as contradições e conflitos sociais dominantes em curso, os objetivos buscados e as alianças políticas edificadas. Esta variedade de perspectivas táticas deu lugar às Frentes Políticas Populares Democráticas na Europa e na América Latina, incorporando comunistas, socialdemocratas e democratas pequeno-burgueses na defesa de direitos sociais, trabalhistas e democráticos; às Frentes Políticas Nacionais Antifascistas nos países periféricos no contexto da Segunda Guerra Mundial, incorporando a burguesia nacional ou mesmo setores da burguesia associada ao imperialismo, caso esta se dispusesse a combater o fascismo em aliança com operários camponeses, ou ainda às Frentes Políticas Nacionais Anti-colonialistas na África e na Ásia, aglutinando setores da burguesia nativa, operários e camponeses na luta contra o colonialismo; e, finalmente, às Frentes Políticas Amplas Democráticas nos mais diversos continentes e contextos históricos quando incorporaram operários, camponeses e frações burguesas na luta antiditatorial e/ou antifascista.

Frentes Políticas no Brasil

10. Na sociedade brasileira, no período compreendido entre 1889 e 1930, sob a vigência do regime político oligárquico e da economia assentada na agroexportação, teve curso a formação de uma nascente classe operária por meio de um contingente de imigrantes e a ascensão do anarquismo e do comunismo, primordialmente nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. O Partido Comunista Brasileiro (PCB), então chamado Partido Comunista do Brasil, criou em 1928 o Bloco Operário-Camponês (BOC), a primeira experiência de Frente Política no país, basicamente popular e de esquerda, defendendo um programa de revolução democrático-burguesa baseada na aliança operário-camponesa com vista no combate aos “resquícios do feudalismo” e ao imperialismo. Pode-se afirmar que o BOC foi a primeira experiência partidária de unificação no plano social da classe operária e das massas populares urbanas e rurais em torno de suas reivindicações e de levá-las a assumir posições revolucionárias, mas que deveria se articular com a unificação no plano político em torno de um programa democrático avançado, antiimperialista e anti-oligárquico. Sob a influência da estratégia do “Terceiro Período”, em vigência na Terceira Internacional, o BOC foi acusado de desenvolver uma política burguesa e esteve exposto a críticas quanto a sua composição social, em grande medida, consequências da política de proletarização dos quadros partidários adotado pelo PCB, vindo a ser extinto após a eleição presidencial de março de 1930.

11. No período compreendido entre 1930 e 1945, num contexto de crise econômica internacional, com consequente colapso da economia brasileira assentada na agroexportação, teve curso a convergência de frações burguesas, camadas médias, oligarquias dissidentes e alta oficialidade militar em torno de um novo projeto político e econômico para o país. Afirmou-se progressivamente um projeto de modernização urbano-industrial e um regime autoritário corporativo prioritariamente voltado para o controle e subordinação dos trabalhadores que culminaria no Estado Novo. Ao final desse período já era realidade a presença, na sociedade brasileira, de uma significativa diversificação social com ampliação da população urbana e expansão dos setores médios e do proletariado urbano. Nesse contexto, sob influência da Terceira Internacional, que defendia a estratégia das Frentes Políticas Populares, emergiu uma nova experiência de Frente Política, editando uma Frente Política Popular em 1935, agora com base na defesa de um programa democrático liberal representativo, antiimperialista e antifascista, redundando na criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Esta organização, que adquiriu um caráter de massas em pouco tempo, congregava comunistas, socialistas, tenentes e intelectuais de esquerda, no plano político, além de operários, profissionais liberais, militares e demais setores de classe média, no plano social. O fracasso do levante armado de 1935 e a onda repressora que se seguiu, com a aprovação da Lei de Segurança Nacional (LSN), culminaram na desarticulação política da ANL anteriormente ao próprio estabelecimento do Estado Novo.

12. Durante o Estado Novo (1937-45) prevaleceu um regime autocrático que suspendeu as liberdades democráticas, eliminou o sistema partidário, centralizou o poder político e impôs um controle estrito sobre o movimento dos trabalhadores e suas organizações, seja por meio da repressão violenta, como aquela desencadeada sobre o PCB, seja por meio da tutela estatal sobre os sindicatos, consolidada neste período. No período compreendido entre 1945 e 1964, o país conviveu com um regime liberal representativo restrito, no plano político e uma ordem desenvolvimentista industrial, corporativa e progressivamente mais aberta ao capital internacional, no plano econômico. Deve-se realçar que com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados, o PCB teve como perspectiva a criação da Frente Política Ampla Antifascista, nucleada no plano interno pela defesa da democracia liberal representativa, dos direitos trabalhistas recém criados e do nacionalismo econômico. Esta Frente Política teve atuação a partir 1945, quando o PCB apoiou a realização de uma Assembleia Constituinte sob a presidência de Vargas e o partido conquistou a sua legalidade. Todavia, no contexto da afirmação da Guerra Fria, teve curso retrocessos imediatamente após a aprovação da Constituição de 1946, que culminaria na preservação da ordem jurídico-política regulada de organização e controle dos trabalhadores inscrita na própria ossatura institucional do Estado, na cassação do PCB em 1947 e em nova onda de violenta repressão. Esse processo levou o partido a uma perspectiva esquerdista e ao abandono da perspectiva de Frente Política naquela conjuntura, o que prevaleceu até meados dos anos 1950.

13. A nova conjuntura aberta com a ascensão do Governo Kubistchek, no plano interno, e do kruchevismo na União Soviética, no plano externo, desencadeou a ruptura de unidade dos comunistas no processo que se desenvolveu entre 1958 e 1962 e que redundaria na criação do PC do B em 1962, bem como levou o PCB à retomada da criação de Frente Política na forma da Frente Política Nacional, propugnando a perspectiva da revolução nacional democrático-burguesa antiimperialista e anti-latifundiária como primeira etapa da revolução brasileira, com vistas no avanço das forças produtivas no sentido do desenvolvimento capitalista e da eliminação dos “resquícios feudais”, com base em uma aliança de classes que envolveria as classes trabalhadoras da cidade e do campo, as classes médias assalariadas e a burguesia nacional. Após esta primeira etapa nacional democrático-burguesa, em que os entraves feudal-imperialistas ao pleno desenvolvimento capitalista fossem superados, a Frente Política Nacional seria rompida e se estabeleceria o conflito clássico entre capital e trabalho, colocando a revolução socialista como tarefa para a classe operária, ensejando a etapa final da revolução brasileira. Essa estratégia revolucionária, fortemente articulada à estratégico-tática Frente Política Nacional, foi derrotada mediante o Golpe Civil-Militar de 1964, cuja base social residia na burguesia nacional já associada ao capital internacional, no imperialismo, no latifúndio supostamente “feudal” e na base de massas proporcionada por amplas parcelas da pequena e média burguesia e das classes médias urbanas.

14. No período compreendido entre 1964 e 1985, o país conviveu com um regime civil-militar, no plano político, mas marcado por um declínio a partir de 1979 e por um longo processo de transição que culminaria na eleição de um presidente civil pelo Colégio Eleitoral em 1984 e posse em 1985. A derrota da Frente Política Nacional com o Golpe de 1964 favoreceu a retomada da tática de Frente Política Ampla democrática, sobretudo a partir do Ato Institucional Número 5 (AI-5). Essa Frente Política Ampla, concebida sob forte influência das concepções e teses políticas eurocomunistas e submetendo o movimento de sindical e popular ao movimento político estritamente institucional, redundou em termos práticos na atuação do PCB e dos movimentos sindical e popular sob sua influência direta como linha auxiliar do processo de reforma da autocracia burguesa em curso. Mais uma vez prevalecia a perspectiva etapista, pois a luta democrática era dissociada da perspectiva socialista e da própria auto-organização dos trabalhadores, derivando um perfil institucionalista, eleitoreiro e defensivo à Frente Política Ampla e à atuação do partido. Esta linha de atuação política foi contestada por diversos segmentos partidários, o que redundou em rachas políticos e na criação de organizações e movimentos de esquerda armada, na primeira fase, e no surgimento de novos movimentos sociais e novas organizações políticas, na fase posterior.

15. Nesse contexto, marcado pela polarização entre a redução do PCB à condição de linha auxiliar da reforma da autocracia burguesa em andamento e as recém-formadas organizações vanguardistas e militaristas, além do desenvolvimento de uma perspectiva de apoio à luta popular por parte da Igreja Católica, surgiu o chamado “novo sindicalismo” no início dos anos 1970, marcadamente basista, economicista e militante, desafiando a ordem regulada de organização e controle dos trabalhadores tanto no plano do combate à repressão e aos limites estabelecidos na organização política dos trabalhadores, quanto no enfrentamento do sindicalismo de Estado. O “novo sindicalismo”, mediante o crescimento e a notoriedade adquiridos nas greves do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, foi uma base fundamental de apoio para a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT). A CUT, surgida em 1983, se caracterizou como central sindical progressivamente economicista, corporativa e hierárquico-burocrática, desempenhando função essencialmente de defesa da representação econômico-corporativa dos trabalhadores, enquanto o PT, criado no biênio 1979/1980, se formou como uma organização política social-democrática, keynesiana, estatista, progressivamente enredada na institucionalidade e desempenhando função essencialmente político-institucional. Apesar do viés institucionalista e politicista o PT desenvolveu ampla capacidade de mobilização dos trabalhadores por meio dos movimentos sindicais – a exemplo da CUT e sindicatos sob sua influência – e populares – a exemplo do MST e de movimentos populares urbanos –, bem como concorreu decisivamente para a extraordinária redução da influência que o PCB exercia nos movimentos sindical e popular, posto que o PCB se posicionou ao lado da burocracia sindical tradicional e da própria estrutura sindical estatal, então instrumento central da ordem regulada de organização e controle dos trabalhadores. Assim, o PCB, acompanhado por novos rachas políticos, foi perdendo a condição de principal partido da esquerda brasileira ao longo do processo que se estendeu da segunda metade dos anos 1970 ao final dos anos 1980.

16. No período compreendido entre 1985 e 2016, que se inicia no contexto da fase final da Guerra Fria, o país conviveu com um regime liberal representativo restrito, definitivamente delineado nas reformas institucionais do final da transição do Regime Civil-Militar para o regime da Nova República, posteriormente consolidado pela Constituinte de 1988 e pelo chamado “presidencialismo de coalizão” emergido do Plebiscito de 1993 que determinou a forma e o sistema de governo, no plano político. Por outro lado, no plano econômico houve uma progressiva reestruturação mediante o choque neoliberal, promovendo abertura da economia, desregulamentação do mercado e privatização de empresas e serviços públicos, sobretudo a partir do “Consenso de Washington” de 1989/90. Devido ao viés institucionalista assumido progressivamente pelo PT e pela CUT durante o período de implantação e consolidação do neoliberalismo no país (1988-2002), a ofensiva burguesa contra os trabalhadores não suscitou por parte da esquerda e do mundo do trabalho a constituição de uma Frente Política. O máximo a que se chegou neste plano foi a formação de “Frentes Políticas Eleitorais” envolvendo fundamentalmente partidos de esquerda, como nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, e mais tarde também envolvendo partidos de direita, como a partir de 2002. A política de conciliação de classes que vigorou entre 2003 e 2016 não permitiu um contexto social e político que demandasse a edificação de uma Frente Política Ampla, pois as liberdades democráticas não estavam ameaçadas e os partidos que detinham a hegemonia no campo da esquerda (PT e PC do B) em função daquela política não apresentaram um programa democrático avançado, que contemplasse redistribuição progressiva da renda e da propriedade da terra e democratização efetiva da participação política e da educação, cultura e informação. Nem mesmo se formou uma Frente Política Nacional, posto que não havia frações burguesas dispostas a compor uma luta antiimperialista nem partidos de esquerda que a propugnasse. A perspectiva de criação de uma Frente Popular anti-capitalista, antiimperialista e anti-latifundiária, no campo da esquerda socialista revolucionária, durante a vigência da política de conciliação de classes, por sua vez, encontrava grandes dificuldades em face das condições concretas que se apresentavam em termos objetivos – redução dos índices de desemprego, elevação progressiva do poder de compra do salário mínimo e desenvolvimento de políticas sociais compensatórias e afirmativas magnificadas – e de condições subjetivas – disputa de hegemonia sectária pela direção do processo de criação de instrumentos de luta classistas por parte das vanguardas partidárias e sociais – a exemplo da perspectiva de criação de uma central sindical classista após rupturas com a CUT, mas que redundaram na CSP-Conlutas, na Intersindical Central e na Intersindical Instrumento de Luta e Organização –-, baixos níveis de organização de base dos trabalhadores e passivização das classes trabalhadoras com cultura política classista residualmente presente no seu interior.

17. O período iniciado com as Jornadas de Junho de 2013 e consolidado com o Golpe de Estado de Agosto de 2016 deu margem a uma recomposição completa das relações entre a base econômica e social e a superestrutura política e jurídica. As Jornadas de Junho evidenciaram a crise da política de conciliação de classes que vigorava desde 2003 e o acirramento da dinâmica de disputa de classes entre capitalistas, camadas médias e classes trabalhadoras no campo social, gerando um divórcio entre o processo político-partidário herdado da institucionalidade criada com a Nova República e nova dinâmica social. Já o Golpe de Estado de 2016 promoveu o colapso final da política de conciliação de classes e o expurgo da representação política dos trabalhadores no poder governamental, favorecendo o avanço de uma perspectiva política conservadora, autoritária e mesmo fascista. Nesse contexto, teve curso um processo no qual a esquerda (democrática-popular e socialista revolucionária) perdeu o monopólio de mobilização social de amplos contingentes da sociedade, passando a conviver com o poder de mobilização de massa da direita. De um lado, emergiu um processo de integração orgânica entre uma economia profundamente apoiada no capital financeiro, no agronegócio, na agro e minero-industrialização de exportação e nas filiais de grupos oligopolistas internacionais; e uma ordem social na qual mais da metade da classe trabalhadora está submetida à informalidade, precarização, marginalização social e acesso restrito aos direitos sociais. De outro lado, teve curso um novo processo de reforma da autocracia burguesa mediante a radicalização dos seus aspectos políticos restritivos e repressivos, pois se criou uma ordem política que no plano formal continua liberal-representativa, porém altamente restrita em relação à representação política de esquerda e do mundo do trabalho, sob uma forte tendência bonapartista apoiada nas forças armadas e num judiciário ainda mais elitista, antipopular, persecutório e seletivo; e magnificação de uma vasta e diversificada rede de organizações da sociedade civil do capital sedimentando um novo padrão de hegemonia, com destaque para o sistema de mídia, as igrejas neopentecostais e as novas organizações/movimentos ultraliberais.

18. Em uma perspectiva histórica é possível indicar algumas conclusões acerca do petismo e do lulismo. Formaram-se em um contexto histórico marcado por um movimento sindical relativamente autônomo e possuidor de boa aparelhagem material, impulsionando um pequeno partido político plural e de massas e uma liderança sindical projetada na institucionalidade. Cresceram como partido e liderança política que renunciaram a violência política como meio para a promoção da transformação social e identificaram o poder com o poder governamental, gerando uma cultura política estatista, retoricamente igualitarista, basista e movimentista. Consolidaram-se ancorados em políticas sociais compensatórias e afirmativas que se desenvolveram nos limites das políticas sociais neoliberais e viveram o ápice em termos de influência política quando se encontrou à frente do Governo Federal durante o ciclo de crescimento puxado pela super demanda e valorização dos preços das commodities no mercado internacional. Por fim, usufruíram da condição de veículos de um processo de ampliação do acesso das camadas populares às políticas sociais públicas e da representação e participação política institucional formal de amplos setores sociais distribuídos em todo o território nacional; mas foram contrários a qualquer perspectiva favorável à impulsionar processos e movimentos sociais autônomos formativos e de formação e educação política classista. O resultado foi a transformação do PT em um partido refratário ao comunismo, com fortes vínculos institucionais, altamente especializado na condução de disputas eleitorais e elevado poder de competitividade eleitoral com os partidos de centro-direita, além de se constituir como um típico partido burguês: aparelhista, burocratizado, eleitoreiro, dirigido pelos quadros detentores de mandato ou de cargos na burocracia partidária e por uma liderança bonapartista cuja vontade raramente é questionada. Enquanto isso, particularmente durante seus dois mandatos na Presidência da República, Lula emergiu como um líder de perfil populista, paternalista, que alimenta uma relação estatolatra com as massas, deseducando-as política e ideologicamente e desarmando-as de instrumentos independentes e autônomos de organização e mobilização.

19. Esse quadro geral sofre alterações relativas desde as Jornadas de Junho de 2013 e o Golpe de Estado de Agosto de 2016, mediante a criação do novo ciclo de luta de classes, com o estabelecimento de processos como fragilização e ataque aos sindicatos, a generalização de amplas parcelas das classes trabalhadoras submetidas à informalidade e à precarização das condições de existência material, a restrição da representatividade políticas das classes trabalhadoras e a guerra de classes em curso na sociedade brasileira. Enfim, a demarcação política e ideológica de parte da esquerda partidária e social em relação à direita e ao capital, e vice-versa, tende a reduzir a influência das alternativas de centro-esquerda e de centro-direita na sociedade brasileira. Tais processos se apresentarão como grandes obstáculos para a perpetuação da hegemonia do projeto democrático-popular na esquerda brasileira, do petismo e do lulismo, posto que foram erodidas as bases sociais materiais sobre as quais eles se estabeleceram.

Frente Política Ampla e Novo Ciclo de Luta de Classes

20. Deve-se destacar que o atual momento histórico, em termos mundiais, é de decomposição dos regimes burgueses que contemplavam liberdades democráticas e direitos sociais e trabalhistas. A crise do capital de 2008 impôs tanto ao centro quanto à periferia capitalista, a decomposição de parte ou de todo o sistema democrático existente. O Brasil passa por esse processo de maneira catastrófica, visto que todas suas instituições minimamente democráticas, bem como os direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras encontram-se sob ataque. Nesse sentido, qualquer projeto político nacional que não passe pelo núcleo do programa democrático da Frente Política Ampla, qual seja do anti-neoliberalismo, do antiimperialismo e do anti-monopolismo, materializado na defesa da representação política dos trabalhadores, das liberdades democráticas e dos direitos sociais e trabalhistas, dificilmente se tornará viável politicamente nessa quadra histórica.

21. Trata-se, portanto, de constituir uma Frente Política Ampla em defesa da representatividade política, das liberdades democráticas e dos direitos sociais e trabalhistas que caminhe no sentido da constituição de uma dualidade de poderes, a partir da qual possa sair da defensiva política e assumir o protagonismo político, respaldado por ampla base operária e popular. Portanto, o esforço de constituição e fortalecimento da Frente Política Ampla deve ter como diretriz a unidade dos partidos e organizações de esquerda e progressistas, a partir da qual se possa articular a defesa: a) dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras; b) da liberdade de organização, manifestação e expressão; c) dos direitos humanos e da dignidade humana; d) da autonomia e democratização do país; e) dos partidos políticos e movimentos sociais; f) do ensino público, laico e crítico; g) da diversidade étnico-racial, de gênero, lgbt; h) das organizações autônomas das classes trabalhadoras: movimentos sociais, sindicatos, partidos; e, i) de uma pauta antifascista.

22. O contexto sócio-histórico de Golpe de Estado, consolidado com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República, tende a instituir no Brasil uma transição para um tipo particular de bonapartismo bolsonarista, fortalecido pela legitimidade das urnas, por ampla popularidade e base social robusta, disposta a defender os fundamentos e princípios do bolsonarismo. Nesse sentido, a tática ofensiva, implementada à revelia da correlação de forças, pode reforçar o bolsonarismo, o Estado de Exceção e a perspectiva de fechamento progressivo do regime político. Evitar a tática de cisão forçada torna-se de fundamental importância, visto que ações espontaneistas podem comprometer toda a construção de enfrentamento do novo ciclo de luta de classes no Brasil. Assim, a fórmula da Frente Política Ampla em defesa da representatividade política, das liberdades democráticas e dos direitos sociais e trabalhistas impõe-se enquanto a tática mais adequada para enfrentar o bonapartismo, na medida em que visa constituir uma unidade democrática, articulada pelo conjunto das organizações autônomas das classes trabalhadoras e de bases populares progressistas.

23. O bolsonarismo deve se expressar institucionalmente, em nível dos estados e dos municípios, mediante uma vertente de direita populista autoritária particular. Assim, o bolsonarismo deve se articular e fornecer características às direitas populistas tradicionais, a exemplo do caiadismo em Goiás, do dorismo em São Paulo e do neocarlismo na Bahia, avançando com uma agenda antidemocrática e antipopular que tem em vista fortalecer os interesses do grande capital presente em cada uma dessas unidades federativas. Processo que deve se fazer acompanhar de redução de influência e capacidade de competição eleitoral e/ou até mesmo de falência política conjuntural de oposições burguesas formais de centro-direita, ou ainda de deslocamento de posições políticas de centro-direita para a extrema-direita, o que tenderá a replicar a polarização político-ideológica nacional nas políticas institucionais nos estados e nos municípios. Nesse caso, além dos enfrentamentos nacionais unificados conduzidos pela Frente Política Ampla, terá que ser organicamente organizada nos estados e nos municípios e estabelecer mediações que sejam capazes de lidar com as manifestações de um tipo particular de direita populista autoritária presentes nesses contextos.

24. A definição de uma linha política unificada, na qual os partidos e organizações políticas são seus principais sujeitos, deve isolar toda e qualquer manifestação de perspectivas hegemonistas e sectaristas, como forma de se evitar cisões internas e uma derrota histórica da classe trabalhadora. Desde o novo ciclo aberto com as manifestações de 2013, as classes trabalhadoras têm sofrido derrotas políticas importantes, todavia, até o momento, não se trata de derrotas históricas como a de 1964, na qual se destruiu, inclusive material e fisicamente, organizações autônomas das classes trabalhadoras e toda uma geração de militantes democráticos, socialistas e comunistas. Apesar dos tempos difíceis, desde as manifestações de 2013, as organizações autônomas das classes trabalhadoras têm demonstrado grande capacidade de resistência e saltos qualitativos importantes, como os apresentados na Greve Geral de 28 Abril de 2017, no Ocupa Brasília de 24 de maio de 2017 e na última semana do segundo turno da eleição presidencial de 2018. Tais eventos apontam para disposição de luta, capacidade de resistência e possibilidade de crescimento e mudança de correlação de forças.

25. O antipetismo adquiriu um novo formato com o bolsonarismo, tornando-se um elemento de coesão da base social de sustentação de Jair Bolsonaro (PSL). Todavia, um antipetismo de novo tipo que se expressa não somente pela negação do Partido dos Trabalhadores e do lulismo, mas pela negação de toda e qualquer organização autônoma das classes trabalhadoras, bem como de princípios democráticos elementares, expressos pela afirmação de uma pauta de liberalismo econômico radical, de um lado, e, de regressão cultural, de outro. O antipetismo, enquanto bandeira de unificação de setores de direita e extrema-direita, reuniu a classe dominante, aglutinou amplos setores da pequena e média burguesia e das classes médias e mobilizou grande parte dos segmentos mais despolitizados das classes trabalhadoras, de tal forma a abandonar as questões nacionais fundamentais e fazer o enfrentamento político direto.

26. Frente ao avanço do bolsonarismo, o segundo turno da eleição presidencial de 2018 conduziu as forças democráticas a se unificarem em torno da candidatura de Fernando Haddad, cimentando uma aliança horizontal entre forças políticas importantes – que em contextos democráticos seriam adversárias –, unificando partidos políticos, movimentos sociais, instituições de Estado ameaçadas, parte da mídia, artistas, intelectuais e líderes religiosos. A grande questão que se coloca é a de dar forma e conteúdo a uma unidade que se forjou em grande medida espontaneamente no processo político. Portanto, definir a linha política de unificação das forças políticas, torna-se de fundamental importância, como forma de isolar perspectivas de cisão que procurarão a todo custo um culpado pela derrota sofrida. Assim, a linha política da Frente Política Ampla deve ser conduzida e dirigida pelas pautas comuns, de tal forma a isolar cálculos políticos oportunistas, hegemonistas e sectários. Tal processo exigirá das lideranças políticas a manifestação de suas melhores virtudes: desprendimento e humildade; bem como, capacidade, esforço e disposição de organizadores de alianças.

27. Nesse contexto, torna-se fundamental o fortalecimento de todas as organizações democráticas da sociedade. Para tanto, torna-se necessário a retomada dos trabalhos de base, como forma de conquistar politicamente setores importantes que compõem a base social do bolsonarismo, bem como, setores expressivos da sociedade que na ultima eleição optaram pela abstenção e pelo voto branco e nulo. No novo ciclo de luta de classes aberta, as contradições devem se acirrar progressivamente, o que deve gerar descontentamento generalizado e convulsões sociais recorrentes. Evitar ações intempestivas será um exercício difícil, porém, necessário. O momento histórico exige a estruturação de compromissos, firmados a partir de uma pauta de reivindicações interligada às demandas das classes trabalhadoras explorada do campo e da cidade, como as lutas: a) por melhores condições de vida e trabalho; b) contra a carestia; c) por escola pública de qualidade; d) por saúde pública de qualidade; e) por habitação popular; f) por transporte digno e condizente com as necessidades populares. Assim, a aproximação, a preservação e a defesa das organizações autônomas das classes trabalhadoras são de fundamental importância, tornando-se necessário a construção do diálogo permanente e de unificação de pautas.

28. A Frente Política Ampla só se tornará viável, na medida em que for capaz de aproximar movimentos sociais e populares, movimento estudantil, sindicatos, partidos, fóruns, associações institucionais e profissionais e o conjunto de pessoas interessadas em assumir o compromisso de luta, mesmo sem estar diretamente em uma organização política. Essa Frente deverá constituir uma rede complexa de relações, no âmbito do pluralismo e da diversidade das classes trabalhadoras, de tal forma a constituir uma rede unificada de proteção jurídico-política, bem como a articulação de protocolos de segurança, necessários a garantia da integridade física e moral dos militantes envolvidos no novo ciclo de lutas que se abriu no Brasil.

29. Por razões práticas, a Frente Política Ampla em nível nacional, estadual e municipal deverá definir um calendário de reuniões ordinárias, como forma de: a) manter a coesão política entre os partidos e organizações políticas que dela façam parte; b) manter os acordos firmados; c) constituir pactos unificados de ação política; d) consolidar-se como movimento social e político; e, e) discutir e deliberar sobre os processos de: I. Construção de trabalho de base; II. Confecção e difusão de materiais e documentos unificados; III. Comunicação: articulação de um sistema de agitação e propaganda de largo alcance; IV. Construção de manifestações unificadas; V. Criação de um caixa, responsabilizando as organizações políticas.

Frente Política Ampla e Frente Política de Esquerda no Atual Período Histórico

30. Compreendemos que na atual fase do capitalismo mundial e brasileiro a Frente Política Ampla demanda que no núcleo de seu programa democrático resida uma perspectiva não apenas anti-neoliberal, antiimperialista e anti-monopolista, mas também uma perspectiva anti-capitalista e socialista. Este núcleo pode conferir a essa Frente uma dimensão política de caráter ofensivo e estratégico.

31. Isto significa que para além do combate à perspectiva autoritária, fascistizante, neoliberal extremada, entreguista e culturalmente conservadora defendida pela extrema direita e demais forças reacionárias que ampliaram sua presença no Governo Federal com o Golpe de Estado de Agosto de 2016 e consolidaram essa posição com a ascensão à presidência de setores de extrema direita fascista a partir de janeiro de 2019, é importante apresentar uma propositura que vá além da manutenção da democracia representativa, da liberdade política e cultural, e dos direitos individuais, sociais e trabalhistas. Ou seja, não é possível simplesmente adotar uma perspectiva “restauracionista”, lutando pela preservação da democracia burguesa e da cidadania política e social, pois o processo de oligarquização e plutocratização das práticas políticas, de reforço dos elementos autoritários e fascistas e do Estado burguês, de precarização das relações de trabalho, de sucateamento dos serviços sociais públicos e de pauperização massiva de grande parte da população fazem com que para milhões de trabalhadores a defesa de direitos políticos, sociais, trabalhistas se apresente como defesa de interesses corporativistas por parte de setores sociais privilegiados. Para parte expressiva das massas proletárias precarizadas e pauperizadas, tais benefícios não estão inscritos em seu horizonte de vida imediato; o que se apresenta é o desemprego, o trabalho informal e/ou autônomo, a violência cotidiana praticada pelo Estado ou pelo crime organizado, a desconfiança em relação ao sistema de representação política, o alheamento em relação à organização/mobilização política e social mediada por partidos, sindicatos, associações e entidades, o irracionalismo temperado pelo fundamentalismo religioso e pelo moralismo, o tripudiamento de regras e normas de convívio democrático (anomia social).

32. Na sociedade brasileira, a votação expressiva desses segmentos num candidato hostil aos interesses das classes trabalhadoras como Bolsonaro, o predomínio do subjetivismo no debate eleitoral, o absenteísmo político expresso em votos brancos, nulos e no não comparecimento às urnas, entre outros fatores, expressam o quão distante estão esses segmentos de um programa democrático, desenvolvimentista, social-democrata e anti-neoliberal e mais ainda de um programa anti-capitalista e socialista. Coetaneamente a esse processo, o projeto do Golpe de Estado de Agosto de 2016 colocou em curso um processo de aprofundamento da restrição de direitos e da precarização do trabalho, cujo itinerário é a exclusão social e a magnificação do mercado informal de trabalho, o que restringe a eficácia das formas de acesso aos direitos tradicionalmente desenvolvidos pelo movimento sindical e pelos partidos de esquerda. Por conta disto, é fundamental estabelecer uma mediação programática e prática de resistência e de tomada de iniciativa, de defesa de direitos e de projeção de uma nova ordem social de mais direitos, de denúncia do Estado burguês e de proposição de um Estado edificado sobre o Poder Popular; mediação entre um programa que atraia setores da pequena e média burguesia e das classes médias em torno de uma perspectiva social-democrática, anti-neoliberal, antiimperialista e anti-monopolista, e um programa que organize e mobilize as várias frações do proletariado urbano e rural (trabalhadores qualificados, formais, precarizados, autônomos, desempregados, etc.) e contemple a ampliação dos direitos sociais e trabalhistas, a distribuição de renda, o avanço democrático em direção à participação direta, à democracia de massas e ao Poder Popular, o controle popular e cidadão da produção e prestação de serviços por parte dos bens públicos, o avanço de práticas de gestão coletiva nas empresas públicas e privadas, criando as condições para a construção da hegemonia proletária e a ruptura socialista.

33. Para tanto, é crucial constituir no seio da Frente Política Ampla uma Frente Política de Esquerda que reúna as forças políticas socialistas revolucionárias organizadas em partidos, organizações políticas, sindicatos, movimentos sociais e entidades culturais em torno de um esforço conjunto de organização, mobilização, inserção institucional e pressão política e social sobre o capital e o Estado e que funcione como uma barreira e um contraponto permanente à perspectiva transformista desenvolvida pela esquerda socialdemocrata e por liberais progressistas que integrem a Frente Política Ampla; bem como que acumule condições objetivas e subjetivas que permitam levar as classes trabalhadoras a assumir posições classistas e revolucionárias.

34. Assim, na atual conjuntura a Frente Política Ampla possui um caráter defensivo, pois trata-se de uma estratégia aplicada fundamentalmente numa conjuntura de avanço das forças reacionárias e de recuo/derrota do campo progressista e das forças revolucionárias, condições que exigem a unidade de forças políticas e sociais que possuem profundas divergências no tocante à perspectiva anti-capitalista; todavia, na atual fase do capitalismo brasileiro e mundial a Frente Política Ampla exige que no núcleo de seu programa democrático resida uma perspectiva não apenas anti-neoliberal, antiimperialista e anti-monopolista, mas uma perspectiva socialista, que lhe confere também um caráter ofensivo.

Frente Política Ampla, Frente Política de Esquerda e Comunistas Revolucionários

35. Os comunistas revolucionários, ao lado das demais forças políticas situadas no campo socialista revolucionário e das forças políticas do campo democrático-popular, devem assumir protagonismo na construção de uma Frente Política Ampla que tenha identidade calcada na defesa de uma democracia avançada e direitos sociais e trabalhistas que assegurem acesso às condições de vida e de trabalho dignos, bem como uma base social ampla que envolva socialistas e comunistas, proletários e camponeses, movimentos populares locais e nacionais de direção centralizada, igrejas e movimentos religiosos progressistas e artistas e intelectuais. Essa Frente Política tenderá a se desdobrar em termos sociais, articulando movimentos sindicais, populares urbanos e rurais e estudantil e de juventude e em termos político-institucionais, com destaque para frentes político-parlamentares e eleitorais. Nessa perspectiva, dois desafios se colocam para os comunistas revolucionários: a luta para que as “frentes político-parlamentares e eleitorais” construídas estejam subordinadas e a serviço da construção da Frente Política Ampla enquanto movimento social de massas; e a luta para que as “frentes político-parlamentares e eleitorais” se reproduzam em termos nacional, estaduais e municipais efetivamente com base no programa da Frente Política Ampla, demarcado de concepções e práticas oportunistas, a exemplo do eleitoralismo e do taticismo.

36. Diferentemente dos anos 1980 e 1990, a Frente Política Ampla tenderá a atuar em um período de luta de classes marcado por um movimento sindical política e materialmente enfraquecido e reprimido por meio de processos judiciais e policiais, bem como com divisões e eventualmente rachas na CUT, a maior central sindical do país. Portanto, a tendência é que os movimentos de esquerda e progressistas não contem com estruturas políticas e materiais em ampliação, contrastando com os anos 1980 e 1990. Também tenderá a conviver com o PT submetido a um ataque judicial, criminalização de seus dirigentes e desmantelamento de seus recursos materiais, acompanhado por crises e fracionamentos partidários. Em contraste com os anos 1980 e 1990, o novo ciclo de luta de classes tenderá ser marcado pela crise de hegemonia do campo democrático e popular e consequente afirmação de condições favoráveis para a afirmação da hegemonia do campo da esquerda socialista revolucionária no movimento social de massas. Para tanto, é fundamental a construção da Frente Política de Esquerda em condições de atuação e disputa de hegemonia no âmbito da Frente Política Ampla.

37. Os comunistas revolucionários devem ter claro que o processo de criação e intervenção das Frentes Políticas Ampla e de Esquerda, em contexto de polarização social, política e ideológica, tende a se fazer acompanhado do crescimento e organização de um campo comunista revolucionário em seu interior, que agregue partidos, agrupamentos, movimentos, organizações da sociedade civil e que funcione como um “intelectual orgânico coletivo”, capaz de dirigir politicamente as forças sociais revolucionárias no sentido da construção da hegemonia popular e socialista. Esse crescimento dependerá, em grande medida, da continuidade dessas Frentes Políticas e da luta dos comunistas revolucionários em assegurar que as mesmas explorem as possibilidades correspondentes a cada uma delas, superando desvios políticos como o capitulacionismo e o oportunismo.

38. Os comunistas revolucionários deverão trabalhar fundamentalmente e de forma coetânea em pelo menos seis direções. Primeiramente, na unificação da classe operária e das camadas populares com base em um programa construído em torno das suas reivindicações, pré-condição para levar as classes trabalhadoras a assumir posições políticas classistas e de avançar mais à frente em direção de posições revolucionárias. Dentre as bandeiras de luta sindical, pode-se destacar: i. Redução da jornada de trabalho sem redução de salário; ii. Garantia de estabilidade no emprego; iii. Pela revogação da contrarreforma trabalhista; iv. Combate à contrarreforma da previdência; v. Luta contra todas as formas de terceirização; vi. Defesa do salário mínimo com base no cálculo do DIEESE; vii. Reestatização das empresas privatizadas, sob controle dos trabalhadores; viii. Salário igual para trabalho igual; xix. Garantia de creches 24h para os filhos dos trabalhadores e trabalhadoras; x. Defesa do SUS público e de qualidade; xi. Fim do banco de horas e a taxação das horas extras; xii. Pela defesa da Petrobras, Eletrobrás, Chesp, Correios e outras estatais 100% públicas, sob controle dos trabalhadores. Dentre os eixos de lutas e bandeiras voltadas para a politização e mobilização do conjunto dos movimentos sindicais, populares e estudantis, pode-se destacar: i. Pela revogação da reforma do Ensino Médio e contra a Base Nacional Comum Curricular (BNCC); ii. Contra qualquer tipo de privatização dos serviços públicos e pela erradicação da terceirização no serviço público; iii. Pelo direito à cidade; iv. Pela Reforma Agrária, sob o controle dos trabalhadores; v. pela estatização do transporte público, sob o controle dos trabalhadores; vi. Pela Universidade Popular; vii. Manutenção e ampliação dos concursos públicos; viii. Revogação da EC 95/2016 que congela os gastos públicos por 20 anos; ix. Pela auditoria cidadã da dívida pública federal; x. Contra toda forma de opressão: racismo, machismo, lgbtfobia, xenofobia; xi. Pelo direito às suas terras por parte dos povos quilombola, indígena e da floresta e imediata demarcação das mesmas; xii. Pela recuperação de fábricas por parte dos trabalhadores e edificação do Poder Popular diretamente vinculada a produção; xiii. Pela proteção do meio ambiente e direito ao pleno acesso aos recursos hídricos por parte das comunidades urbanas e rurais; xiv. Pela autodeterminação dos povos e solidariedade internacional aos povos em luta contra o imperialismo. No Brasil, a construção e viabilização desse programa requer a realização do Encontro Nacional da Classe Trabalhadora (Enclat) como processo convocatório, espaço de debate e instância de pactuação de um programa sindical e popular classista.

39. Em segundo lugar, tem destaque o engajamento dos comunistas na construção de uma vasta organização independente e autônoma dos trabalhadores, sob a forma de entidades e movimentos sindicais, populares e culturais, bem como de construção de amplos movimentos populares nacionais organizados sob a forma de direção nacional centralizada. Em que pese o fato do fim do imposto sindical acarretar uma profunda crise orgânica nas centrais sindicais e nos sindicatos, que culminará na extinção de milhares de sindicatos, também tende a proporcionar um profundo abalo na burocracia sindical, edificada como parte intrínseca da ordem regulada de organização e controle dos trabalhadores. A previsão, por parte da reforma trabalhista, de criação de comissões no âmbito da empresa e que passem ao largo das entidades sindicais, tendo em vista conduzir negociações que interessam aos trabalhadores também deve receber atenção dos comunistas, pois podem se desenvolver na direção da sua transformação em organizações operárias voltadas para a controle operário das empresas. Portanto, os comunistas têm de ter clareza quanto ao fato de que a reforma trabalhista e consequente crise política e orgânica das entidades sindicais abriu uma oportunidade histórica para a (re)construção de centrais sindicais e de sindicatos organizados pela base nos locais de trabalho e de moradia, bem como de comissões de empresa que podem respaldar processos embrionários de construção de formas de controle operário sobre a produção, que podem se desenvolver como formas de Poder Popular diretamente vinculados à atividade produtiva, proporcionando novos elementos que podem ser trabalhados na perspectiva da construção da consciência de classe em si e para si.

40. Em terceiro lugar, os comunistas revolucionários têm uma acumulação histórica, em termos teóricos, políticos e organizativos, de construção de Frentes Políticas que reúnam forças sociais e políticas que podem ser mobilizadas por meio de programas antiimperialistas, anti-latifundiário e democrático avançado, sob a direção de socialistas e de comunistas. O sistema partidário brasileiro contempla a existência de partidos socialistas que abrigam sociais-democratas e socialistas revolucionários, bem como diversos partidos comunistas de grandezas variadas. Na nossa perspectiva, o grande desafio colocado para os comunistas revolucionários, a exemplo do atual estágio e qualidade de construção do PCB, será o de concorrer para a construção de eixos de unidade entre as forças políticas referenciadas no projeto democrático-popular, ainda que em crise e as forças políticas referenciadas no projeto anti-capitalista, socialista e popular, ainda insuficientemente construído para dirigir movimento da luta de classes no país.

41. A construção de um campo comunista revolucionário como educador e intelectual coletivo das classes trabalhadoras, presente em todo o território nacional, enraizado no conjunto do proletariado em sua diversidade, fortemente presente nas regiões e localidades em que se concentram as forças econômicas mais avançadas do capitalismo e consequentemente do seu antagonista social, é imprescindível para articulação consequente entre as Frentes Políticas Ampla e de Esquerda. Isto porque, conforme anteriormente assinalado, a articulação entre as Frentes Políticas requer um campo comunista que seja capaz de aglutinar partidos e forças sociais em frente(s) institucional(is) e eleitoral(is) e em articulação aos processos de luta popular, bem como que essa aglutinação esteja sob primazia e em função dessa última, seja em nível nacional, seja em nível dos estados e dos municípios.

42. Em quinto lugar, a assunção das forças sociais e políticas autoritárias e fascistas requer a construção de uma organização e cultura de proteção e segurança dos movimentos e dos ativistas populares. Organização e cultura que se estenda dos coletivos de defesa jurídica aos procedimentos e práticas de segurança. A construção de partido que conjugue a condição de educador e intelectual coletivo das classes trabalhadoras e a organização partidária de democracia centralizada deve concorrer para que as respostas quanto às demandas de proteção e segurança esteja em função da conquista da hegemonia política e ideológica; isto é, que as respostas necessárias quanto à proteção e segurança não incorram no vanguardismo e no militarismo, ou que a luta pela conquista da hegemonia política e ideológica imobilize a organização partidária quanto às demandas de proteção e segurança.

43. Em sexto lugar, os comunistas devem edificar relações respeitosas e propositivas com relação às religiões. As religiões históricas universais (confucionismo, budismo, hinduísmo, xintoísmo, judaísmo, cristianismo, espiritismo, islamismo) e as religiões de matrizes africanas (umbanda, candomblé) possuem fundamentos éticos e humanísticos que proporcionam campos de relação com os ideais de justiça e de igualdade dos comunistas, o que requer reconhecê-los e estabelecer diálogos e alianças ad hoc com base neles. A penetração do sistema do capital e consequente reprodução do seu sócio-metabolismo nas expressões institucionais das religiões, qual seja as igrejas e seu aparato eclesiástico, a exemplo da chamada “teologia da prosperidade” fortemente presente no neopentecostalismo, deve ser enfrentado no campo das ideias, o que pode envolver como aliados membros das comunidades e integrantes dos referidos aparatos. Enfim, a polarização ideológica sectária que possa envolver portadores de fé religiosa e comunistas não pode partir destes últimos, nem estes podem cair em provocações sectárias, sobretudo em contextos históricos marcados pelo acirramento do conservadorismo moral de fundamento religioso instrumentalizado pelo autoritarismo e pelo fascismo.