Reconstruir o movimento docente da Universidade Estadual de Goiás (UEG)

Em janeiro de 2019, os professores da UEG têm vivido momentos de tensão e de extremo desrespeito por parte do governo estadual diante da perspectiva de parcelamento e de novos atrasos de nossos salários. Há anos, os governantes goianos têm feito pouco caso e demonstram não se importar com o fato de que os servidores dependem do salário para se alimentar, para se vestir, para a condução até o local de trabalho, para pagar suas contas e alimentar suas famílias. Estão jogando com a nossa dignidade. Enquanto isso, o governo segue fazendo malabarismo discursivo para justificar os ataques contra os servidores. Há quem acredite no discurso oficial.

A estratégia do governo é velha conhecida nossa. Vide o que a oligarquia carioca fez com o Estado do Rio de Janeiro e, sobretudo, com a UERJ. O que a oligarquia goiana instalada no poder deseja fazer conosco? A atual secretária estadual da fazenda, Cristiane Schmidt, declara a intenção de inserir Goiás no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o qual trará medidas draconianas para o setor público, e nós servidores seremos os principais atingidos pelas políticas ultraliberais, com a perda de direitos. O RRF prevê a venda do patrimônio público, mas, recentemente, a companhia de energia elétrica Celg foi privatizada de forma nada transparente e isso não sanou as contas públicas.  

Diante deste quadro, há questões que se referem particularmente ao Movimento Docente da UEG. Sua última aparição de maior fôlego foi durante a greve de 2013. Naquele ano, o movimento grevista foi liderado, sobretudo pelo chamado “Mobiliza UEG”. Esse privilegiava a ação, o voluntarismo e o vanguardismo. O Mobiliza não tinha formulação política e toda e qualquer tentativa de criar instrumentos permanentes de formulação política e reivindicatória, de mobilização e luta, como um sindicato, era rechaçado impetuosamente pela direção autonomista. Reconhecemos os méritos dos colegas autonomistas, sobretudo a independência política e a capacidade de mobilizar; reconhecemos também seus limites, sobretudo no que se refere à organização efêmera dos docentes.

Enquanto a greve de 2013 ocorria, muitos docentes já percebiam a necessidade de criar um sindicato, uma vez que o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público de Goiás (Sindipúblico) tem uma estrutura cartorial de fachada, nada faz, efetivamente não representa e ficou anos apenas recebendo o imposto sindical dos docentes sem lhes prestar qualquer apoio em relação às suas reivindicações. Essa situação de sindicalismo pelego (caso do Sindipúblico), que transforma o sindicato em uma agência do governo e não defende os trabalhadores, aliada ao crescimento da UEG e à consolidação de seu corpo docente em termos de qualificação, torna urgente a criação de um sindicato. Todavia, com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical, um novo sindicato só vai funcionar verdadeiramente e fazer sentido, sendo estruturado em bases democráticas, tiver independência política e se for capaz de estar presente no dia a dia dos diversos câmpus da UEG.  

A reconstrução do Movimento Docente da UEG deve ser alicerçada em três eixos fundamentais que reconhecemos: (1) a formulação política e reivindicatória docente; (2) a construção e a consolidação de um sindicato não pelego e não burocratizado; (3) a mobilização não vanguardista e voluntarista, mas sim orgânica. A seguir abordaremos esses três pontos.

1. Formulação política e reivindicatória docente.

Como dizíamos, a experiência que tivemos com o “Mobiliza UEG”, nos idos de 2013, nos limitou a um movimento que privilegiava a ação, mas  tinha muito pouco a dizer concretamente sobre a forma pela qual o Estado goiano busca fazer da UEG seu apêndice, voltado a suprir necessidades de expansão do capitalismo em Goiás. As críticas que se faziam pela direção do Mobiliza eram voltadas à pessoa do atual reitor. A crítica beirava o folclore: ataques pessoais ao “monárquico” “Rei-Tor”. É necessário que a crítica saia do nível pessoal e avance rumo ao nível da coletividade, que integra a estrutura da UEG e da sociedade goiana. 

O que fazer? É fundamental que os professores estabeleçam o diálogo com seus pares, buscando superar as diferenças de opinião que não contribuem para o crescimento do Movimento Docente, criando laços de solidariedade, a qual deve imperar entre os professores. Mas a solidariedade não é algo abstrato, ela deve se materializar em instrumentos de organização permanente, como grupos de debate e leitura da nossa realidade e de mobilização. Nos últimos anos, as assembleias docentes têm funcionado muito bem como forma de organização nos câmpus. Não podemos ficar presos e limitados às formas burocratizadas que a UEG criou, como os Conselhos Acadêmicos, Universitário e Congregações dos câmpus. Aliás, durante o atual reitorado, a UEG vem sendo submetida a uma intensa burocratização, e o trabalho docente vem sendo cada vez mais emaranhado numa teia de controle tecnicista.   

Os docentes da UEG parecem não ter plena consciência de sua importância para o desenvolvimento social, cultural e econômico de Goiás. Somos atores subordinados do desenvolvimento goiano, não participamos dos processos decisórios, não somos de forma alguma “elite intelectual”. Da mesma forma, muitos entre nós não percebem que vivemos um processo de precarização e proletarização. Por isso, aprender a organizar-se de forma coletiva e democrática e ver no outro docente um companheiro de luta é fundamental. Ao invés disso, muitas vezes ficamos presos na concepção de que o colega é nosso concorrente, por motivos ideológicos, políticos ou “profissionais”. 
Portanto, é necessário nos unirmos, criar laços de solidariedade, ter momentos reservados para o diálogo coletivo sobre as condições de trabalho, a defasagem salarial, e demais demandas e necessidades nossas, visando formular uma política reivindicatória sólida, de curto, médio e longo prazo que abranja todos os aspectos da universidade, formando assim uma concepção democrática da universidade, para vencer o autoritarismo que grassa no Estado goiano e na UEG. A partir daí, podemos reconstruir a auto-organização docente.   

2. A construção e a consolidação de um sindicato não pelego e não burocratizado.

Recentemente, durante o período eleitoral (semestre 2017/2), com o argumento de criar um sindicato docente atuante e representativo, foi criada a Docentes Associados (DAUEG). A pergunta que fazemos é se a DAUEG vai ter independência política ou foi criada apenas para gerar uma “crise” durante as eleições passadas ─ o que evidentemente interessaria ao Caiado ─ e bater no reitor, o identificando como “militante” do PSDB? A DAUEG vai se somar à outra entidade (ADUEG) que não serve para efetivamente nada, a não ser para aparecer na época de eleição para reitor e “representar” interesses escusos? São questões que cabem à executiva da DAUEG responder, desenvolvendo uma prática não pelega.  

A criação de um sindicato de base, independente, originado da auto-organização docente é fundamental, no sentido de ter uma estrutura representativa atuante em tempo integral, na defesa de nossos direitos. Muitos esforços serão necessários para a criação da estrutura sindical, com finanças, direção executiva eleita, combate ao peleguismo etc. Enquanto a formação desse novo sindicato não ocorre e a DAUEG não define para o que veio, os docentes tem que usar a sua criatividade no sentido de se mobilizar de forma duradoura e autônoma em relação aos partidos políticos, aos líderes da política goiana, ao poder estabelecido e ao reitorado.  

3. Mobilização não vanguardista e não voluntarista, mas sim orgânica.

O “Mobiliza UEG”, que dirigiu a greve de 2013, mostrou-se incapaz de criar formas permanentes de defesa dos docentes e do ensino universitário público. Dependente de algumas poucas lideranças, o Mobiliza desfez-se alguns anos atrás. Os grevistas obtiveram vitórias importantes, mas parciais. A reposição salarial negociada com o governo do Estado na época, não foi cumprida em sua totalidade, sendo que agora se soma nova defasagem salarial. Nos anos subsequentes à greve, os professores tiveram carga horária em sala de aula aumentada; e a carga horária para preparação das aulas foi diminuída. Isso mostra o problema das mobilizações dos professores da UEG: são esporádicas, não envolvem o conjunto da categoria, ou pelo menos a maioria, muitos têm gosto por “furar” as mobilizações, formula-se pouco e nossas reivindicações são rechaçadas ou atendidas parcialmente. 
Por isso, é imperioso que os docentes criem formas permanentes de formulação política e reivindicatória. Não significa que os docentes tem que estar paralisando e fazendo greve o tempo todo, isso não existe, mas sim que as mobilizações quando ocorrerem mostrem sua força como categoria e a justeza de suas reivindicações. Tudo isso tem o tempo certo de ser feito, sem atropelos ou atrasos, deve ser antecedido por debates, assembleias, rodas de conversa e outros instrumentos por nós criados de conscientização, sensibilização e preparação dos colegas; com estabelecimento de tarefas objetivas e concretas; com o diálogo com a sociedade civil e outros fatores que fortaleçam a organização dos professores e a reconstrução do Movimento Docente em novas bases. Há um preparo que é necessário, o qual nos fortalece, traz coesão e dará volume e qualidade às nossas intervenções e lutas.  

O Movimento de professores não é contra a UEG, como muitos professores costumam argumentar; não “queima” a imagem da UEG. Nossas mobilizações devem se voltar contra a forma pela qual a UEG é mantida: orçamento estourado, professores precarizados sem regime de RTIDP (Dedicação Exclusiva), sem equiparação salarial entre efetivos e contratados, aumento da carga de trabalho em sala de aula e em comissões burocratizadas da UEG que legitimam os desmandos do governo e os ataques aos direitos dos docentes, etc. Segundo a ideologia da oligarquia ilustrada, cada professor deve suportar individualmente em suas costas o peso da estrutura burocratizada da UEG. É contra isso que nos voltamos.

Atualmente, assim como outras universidades públicas, a UEG caminha para o desastre, faltando verbas, em breve, para seu custeio e pagamento de salários. Diante disso, reconstruir o Movimento Docente é tarefa urgente, mas sem atropelos, sem fazer ação de pouco fôlego, isto é, mobilizações que nada ou muito pouco formulam ou ocorrem isoladamente nos câmpus. Pois uma vez passado o período de “ação direta”, pouco ou nada sobra se não criamos ou não desenvolvemos politicamente nossas reivindicações. A UEG não pode continuar sendo vítima dos desmandos dos governos, de uma partidarização sorrateira e ser tratada como apêndice do Estado. 
É fundamental se conscientizar e perder a ilusão com os governantes. Ainda não existiu em Goiás um governo que priorizasse a educação. O setor educacional é “prioridade” no aspecto discursivo, mas não na prática. 

Assim, é fundamental que os professores comecem a se reunir em seus câmpus para debater nossas condições precárias de trabalho, os ataques do governo, a defasagem salarial, tendo em mente que a luta é justa, é digna e é a única coisa que pode impedir os governantes de destruir o que conquistamos. Não tenham dúvida: juntos, unidos, conscientes e organizados, temos muita força. Igualmente, não resulta producente apenas debater e nada decidir; dialogar e não preparar a ação. O debate e o diálogo são instrumentos de formulação, conscientização e preparo da ação. A prática da solidariedade entre professores que lutam não é apenas uma ideia bonita, é também um nível mais elevado de nossa consciência coletiva e de nossos interessem em comum.  

Por último o que os professores devem fazer antes de tudo: levantar a cabeça, erguer a nossa moral coletiva. Não somos gado. Formamos os cérebros, os cidadãos e a cidadania, a cultura, a civilidade (numa época de barbárie), qualificamos a mão de obra, levamos desenvolvimento aos locais distantes do sertão goiano. O que pedimos não é nada demais, nem está fora do alcance do governo: respeito aos nossos direitos, seriedade no uso dos recursos do Estado. Os governos passam, nós ficamos ─ sempre foi assim e assim será. Mas ficaremos bem, ou ficaremos mal? Vai depender de nossa organização coletiva, sendo uma tarefa urgente a reconstrução do Movimento Docente da UEG.    

______________________________________________________________________
Notas: 
* Aqueles que desejarem entender melhor o neoliberalismo e o que estamos argumentando, sugerimos “A Doutrina do Choque (The Shock Doctrine)”, de Naomi Klein: https://www.youtube.com/watch?v=Y4p6MvwpUeo   

** Sobre o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do governo: “Entenda o Regime de Recuperação Fiscal, a salvação de Goiás para Caiado” (Jornal Opção), disponível em: https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/entenda-o-regime-de-recuperacao-fiscal-a-salvacao-de-goias-para-caiado-156791/